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| Foto: Eric Feferberg/AFP

Aquele julho de 1980 ficou na memória de muitos de minha geração. Os números dão conta que em torno de 12 milhões de brasileiros participaram dos encontros com o papa João Paulo II, em 13 capitais brasileiras, além de Aparecida (SP). Eu sou um dos que, junto com minha família, fui recebê-lo no trajeto entre o aeroporto e o estádio Couto Pereira, em Curitiba. E não só! Participei da missa campal no Centro Cívico no dia seguinte, tentando enxergar alguma coisa em meio àquela multidão.

João Paulo II viria, ainda, ao Brasil em outras duas oportunidades: em 1991 e em 1997 (além de uma breve escala de seu voo, no Rio de Janeiro, em 1982). Nessas viagens ao Brasil, beatificou José de Anchieta e Madre Paulina, visitou palácios de governo, praças públicas, favelas, falou com indígenas, imigrantes, operários, consagrados, famílias. Aos pés do Cristo, no Corcovado, falou uma de suas mais conhecidas frases: “Se Deus é brasileiro, o papa é carioca!”

Não quero ser saudosista, nem tampouco preencher essas linhas com informações sobre os 1,7 milhão de quilômetros viajados por João Paulo II em 129 países. Mas é evidente que esse papa, ao assumir o nome de João Paulo II, quis conjugar as qualidades e características de dois grandes personagens da época apostólica – João, que ficou conhecido como o “discípulo amado”; e Paulo, o apóstolo dos gentios. É deste último a frase “tornei-me tudo para todos a fim de salvar alguns a todo custo” (1.ª Carta aos Coríntios 9,22). Lema que o apóstolo Paulo levou ao pé da letra e que João Paulo II outorgou a si mesmo como um mandamento pessoal.

Em seu pontificado, a Igreja definitivamente abriu as janelas para o mundo

Este pequeno artigo é apenas um detalhe diante do que foi o terceiro pontificado mais longo de um papa à frente da Igreja Católica – quase 27 anos – e cujo início, ocorrido há exatos 40 anos, celebramos neste 22 de outubro, data que a Igreja escolheu para celebrar sua festa litúrgica.

No dia 16 de outubro de 1978, após um brevíssimo governo de 33 dias de João Paulo I, foi anunciado, na sacada da Basílica de São Pedro, o nome de um cardeal polonês – o primeiro não italiano desde o século XVI – como o novo papa. Durante o seu pontificado, foram mais de 100 documentos eclesiásticos escritos, além de cinco livros, quase 500 processos de canonização, inúmeros consistórios e vários sínodos celebrados.

Sua atuação, contudo, não se restringiu aos muros da Igreja – justamente o contrário. Ele foi conhecido como “papa peregrino”. Foi a mesquitas e sinagogas. Encontrou-se diversas vezes com o Dalai Lama e com líderes de outras confissões cristãs, como as igrejas Luterana, Anglicana, Ortodoxa e Copta. Por meio de sua mediação preservou-se a paz entre a Argentina e o Chile, por ocasião do conflito do Canal de Beagle, em 1978. Teve influência nos diálogos, à época da Guerra Fria, entre os Estados Unidos e a União Soviética. Condenou severamente os totalitarismos e atribu-se a ele uma grande responsabilidade pela decadência do comunismo. Após a queda do Muro de Berlim, voltou-se para denunciar as injustiças sociais e as mazelas causadas por um capitalismo selvagem e desumano, especialmente nos países então chamados de “Terceiro Mundo”. Foi o primeiro papa a visitar Cuba, em 1998. Condenou, inúmeras vezes, as guerras nas várias regiões do mundo.

Certamente houve críticas ao seu modo de governar. Vozes que se faziam ouvir no interno da Igreja. Seu modo de conduzir as questões ligadas à sexualidade ou à vida reprodutiva, o silêncio imposto a alguns teólogos, o apoio a grupos ditos “mais conservadores”, aspectos que, até hoje, são discutidos em círculos eclesiásticos ou teológicos. Mas não convém que, em datas festivas, se queira lançar sombras sobre o homenageado.

Leia também: João Paulo II, santidade e força heroica (artigo de Rivael de Jesus Nascimento, publicado em 21 de abril de 2014)

Carlos Alberto Di Franco: O papa dos jovens (2 de maio de 2011)

Às minhas lembranças juntam-se aquelas outras tantas de milhões no mundo inteiro. Gente que nasceu e cresceu sob o seu pontificado. João Paulo II foi um papa que, talvez, será conhecido com o título de “Magno” (o título “João Paulo, o Grande” já é utilizado por ao menos duas instituições de ensino dos EUA em seus nomes). Como santo, ele já é reconhecido pela comunidade católica – em um processo extremamente célere em relação aos demais, já que sua canonização aconteceu menos de dez anos após sua morte.

Sobreviveu a dois atentados (um deles, de maneira milagrosa). Resistiu por longos anos à doença de Parkinson. E, em abril de 2005, após um calvário, que quis viver junto aos fiéis e não em um quarto de hospital, entrega bravamente a sua vida.

O que falar de João Paulo II quando temos, diante de nós, um papa tão carismático e cativante como Francisco?

João Paulo II, como todo indivíduo, é filho do seu tempo. Ele conduziu, com extrema maestria – e, por que não dizer, santidade – a barca de Pedro pelas décadas finais do complicado século 20. Em seu pontificado, ainda que alguns tenham suas ressalvas, a Igreja definitivamente abriu as janelas para o mundo e quis, pelos pés e pela voz desse profeta, anunciar, ainda uma vez, a Boa Nova da Salvação.

Robert Rautmann é mestre em Teologia.
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