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Há tempos, visitar as igrejas do patrimônio ar­­quitetônico brasileiro implicava procurar a "guardiã da chave". Chegava-se ao local e era só perguntar – to­­dos sabiam quem estava no cargo. Quase sempre, uma senhora de meia idade, moradora das ime­­diações. A gente chamava no portão e ela vinha lá de dentro, segurando o bordado ou enxugando as mãos.

– Boa tarde! É a senhora que tem a chave da igreja? Gostaria de visitar, de fazer umas fotos...

Com boa vontade e envaidecida, ia buscar o molho das chaves enormes e, conversando para sa­­ber a procedência e, se possível, algum dado biográfico do visitante, abria as portas e janelas, acendia as luzes, contava histórias, da­­va informações – com a in­­timi­­dade de quem mostra a pró­­pria casa. Nunca tive dessas senhoras uma informação que a bibliografia não confirmasse, nem hiperbólica, à maneira dos guias turísticos. Quando a referência era duvidosa, ela mesmo relativizava:

– É o que dizem... eu não sei, mas contam assim...

Depois de tudo visto e apreciado, é de praxe perguntar se há uma taxa de visitação, o que seria mais do que razoável.

– Ingresso não tem não se­­nhor... mas querendo deixar uma contribuição na caixa, sempre ajuda quando é preciso al­­gum conserto...

Podia acontecer de o visitante ser um importuno que chegava perto da hora do almoço. Ela então entregava o molho de chaves e pedia:

– Só o senhor toma cuidado e fecha tudo bem fechado depois, pode vir alguma chuva... e depois me deixa as chaves aqui de volta, faz favor...

Bons tempos!

Que diferença de chegar, por exemplo, na Casa da Hera de Vas­­souras, e o guardião informar lá de dentro da guarita:

– Hoje não tem visita. A mu­­lher que cuida está doente e não tenho autorização para abrir.

Ou então da arquiteta que tratou com grosseria seus futuros colegas – e não turistas – que ten­­tavam visitar a Santa Ifigênia de Ouro Preto. Recusou a entrada do grupo ao mesmo tempo em que se desmanchava em salamaleques para uma comitiva de estrangeiros.

Esses deploráveis acontecimentos – ocorridos nos dias 5 e 10 de setembro deste 2009, respectivamente, diante do grupo indignado, mostram uma grave contradição existente. Sob o pretexto do retorno do investimento na preservação com o turismo, criam-se situações em que os mais legítimos interessados – em viagem de estudos, para aprender – e dentro do mais cristalino di­­reito de acessar uma obra – são obstaculizados.

Profissionalização?! Melhor seria voltar às guardiãs da chave... Elas eram as donas efetivas dos locais, mas sem arrogância...

Key Imaguirre Junior é professor de Arquitetura da UFPR e pesquisa a arquitetura de igrejas ucranianas

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