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Num olhar globalizado, mirando os diferentes povos e suas lideranças políticas – e volubilidades –, é desafiador tentar estabelecer paralelos sobre as principais preocupações ou anseios que os envolvem. Desemprego, pobreza e desigualdades sociais, criminalidade e violência, corrupção e os seus escândalos políticos e financeiros, imigração descontrolada, terrorismo, degradação moral, impostos, cuidados com a saúde, educação, mobilidade urbana e trânsito, ameaças ao meio ambiente e sustentabilidade...

A lista é imensa, mas seletiva às características ou momentos de ansiedade vividos em cada nação ou região, sendo exemplo a recente decisão popular pela saída do Reino Unido da União Europeia. Por aqui, salvo momentos excepcionais de nossa história recente como o combate à corrupção, a questão da saúde encabeça os quesitos prevalentes de preocupação do brasileiro. E é nos estratos sociais de maior vulnerabilidade que estas estatísticas ganham mais ênfase, pela óbvia tendência que distancia doença e assistência.

Ao lado da educação, a saúde precisa ser encarada, de fato, como prioridade

O cenário se construiu ante a desconfiança da sociedade nas políticas públicas. Quase três décadas depois de consagrado o direito cidadão de acesso universal e igualitário às ações e serviços na promoção, proteção e recuperação da saúde, o seu bastião, o SUS, continua patinando pelas fragilidades orçamentárias e de gestão. Até 1988, quando promulgada a atual Constituição, o Brasil tinha seu sistema de assistência gratuita direcionada aos trabalhadores com carteira assinada. Na época, somávamos 144 milhões de habitantes, o que vale dizer que menos da metade da população tinha acesso aos serviços públicos. Pelo formato de financiamento de então, teríamos hoje o equivalente a R$ 170 bilhões, ou seja, R$ 60 bilhões além do orçamento previsto para 2016, agora num sistema universal e com população de 206 milhões.

A contabilidade não pode fechar se há menos recursos e a população foi encorpada em 62 milhões nestes quase 30 anos, a expectativa de vida se elevou e os avanços tecnológicos tornam a atenção à saúde cada vez mais cara, tanto quanto as ações judiciais e novas legislações disputam fatias no orçamento. Isso sem contar que o descaso em educação, em cuidados sanitários e proteção ao meio ambiente se refletem em ônus vultoso à saúde pela proliferação de endemias, epidemias e pandemias.

A contradição de financiamento pode ser medida pelo decréscimo contínuo dos recursos públicos em saúde, passando de quase 70% para 46% do volume total, cabendo hoje os demais 54% ao custeio privado. Nessa toada, leitos hospitalares e outros serviços ao sistema público foram sendo fechados, num quadro ainda mais alarmante quando 11,5 milhões de brasileiros perdem seu emprego e também o seu plano de saúde (1,4 milhão em um ano), indo disputar a assistência na esfera do SUS.

Apesar dos traços sombrios dessa moldura, em que se realça o desprestígio e a má remuneração por aqueles que contratam os serviços (públicos ou particulares), há de se fazer leituras positivas. Vejamos: o usuário, quando consegue driblar as armadilhas que limitam o acesso à assistência, expressa, em sua grande maioria, satisfação e gratidão pelo cuidado recebido. Isso atesta o grau de comprometimento em qualidade e resolubilidade empreendido pelos hospitais e demais empresas de saúde, juntamente com os seus profissionais, colaboradores e voluntários. Essa força de trabalho reúne 106 mil empregados só no Paraná, onde mensalmente são realizados vários milhões de procedimentos, incluindo mais de 100 mil internações hospitalares, a maior parte sob a tutela da iniciativa privada, com queixas em proporção mínima, mas importantes para detectar falhas e prevenir repetições. Ao lado da educação, a saúde precisa ser encarada, de fato, como prioridade.

Renato Merolli é presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Fehospar) e vice-presidente da Confederação Nacional de Saúde.
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