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Nas últimas semanas estamos vivenciando intensos debates relacionados aos problemas da saúde no Paraná e no Brasil. Os programas dos candidatos ao governo estadual e federal vão sendo revelados, entremeados ao mesmo tempo à greve dos médicos residentes e às manifestações da opinião pública demonstrando grande preocupação com o quadro atual em que se encontra a saúde no nosso país. Atenção básica, inovação nos atendimentos de alta complexidade e facilidade de acesso aos recursos por parte da população foram apontados com as possíveis soluções que deverão estar na pauta dos programas dos futuros governos para os próximos anos.

Concordo com todos esses aspectos que foram apontados por diversas autoridades em saúde pública. Porém, ouso aqui afirmar que o maior problema que enfrentamos com a saúde não é o da falta de recursos ou o da sua distribuição irregular em um país continental. De fato eles existem, são graves e preocupam a todos. Mas o maior problema da saúde no Brasil é moral.

Até a década de 60 o grande responsável pelo au­­mento na expectativa de vida nos países desenvolvidos foi o saneamento básico – ou seja, em poucas palavras, água tratada e esgoto para todos. Muitos países resolveram isso a tempo. Porém, entre as décadas de 60 e 90, a expectativa de vida ao nascer passou de 69 para 76 anos devido principalmente aos resultados dos investimentos nas pesquisas com novos medicamentos e, é claro, ao acesso da população a essas mesmas inovações, inseridos em programas de saúde pública bem estruturados e projetados às reais necessidades populacionais.

Agora, essa mesma realidade, paradoxalmente, mostra a sua outra face. Os custos com novas tecnologias estão tornando inviável o projeto escrito em diversas línguas na entrada do prédio da Organização Mundial da Saúde em Genebra: alcançar para todos os povos o grau mais elevado de saúde. Em oncologia, por exemplo, não é difícil encontrarmos tratamentos com custos variando entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. Valores estes, impensáveis nas décadas passadas.

Boa parte do valor final repassado para as seguradoras e para o sistema público de saúde é decorrente do repasse dos custos das pesquisas. Contudo, muito disso também se deve ao marketing excessivo realizado em cima dos profissionais de saúde, sobretudo dos médicos. Acredita-se que a limitação da publicidade poderia reduzir em cerca de 30% o valor final de alguns medicamentos.

Muito se fala dos problemas de saúde pública, porém estamos vivenciando uma situação semelhante e grave também nos atendimentos prestados pelos planos e seguradoras de saúde.

Com mais de 20 anos de defasagem, realizamos hoje cirurgias para um câncer de mama, por exemplo, a valores próximos a um tanque de gasolina. A responsabilidade e a complexidade da nossa profissão, que exige tempo integral e um treinamento ao final da universidade que varia entre 3 e 10 anos, seguramente não merecem isso.

Um consultório bem estruturado, sem luxo, mas agradável, limpo e organizado, custa pelo menos em torno de R$ 1.500 ao mês. É por isso que, ao procurarmos o clínico geral, o pediatra, o cardiologista ou o obstetra de nossa confiança, muitos deles descredenciaram-se. Mas essa não é a consequência mais nefasta.

Estamos vivenciando uma cultura progressiva do conflito de interesses na medicina brasileira, ainda mais intensa do que em muitos países. Ou seja, o profissional ganha pouco e procura melhorar seus honorários através de uma carga horária sobre-humana de plantões e sobreavisos, comprometendo sua qualidade de atendimento e de vida.

Existe solução? Vislumbramos duas possibilidades, ainda que remotas. Uma delas é seguirmos o modelo existente em alguns países europeus, onde o médico é um funcionário como qualquer outro. Um trabalhador com todos os direitos dos demais trabalhadores, tais como férias remuneradas e auxílio-doença. Recebe uma remuneração justa e suficiente para uma vida digna como classe média, sem a necessidade de trabalhar horas adicionais ou de se associar a outras formas irregulares de complementação de honorários. Uma outra alternativa seria desvincular totalmente os honorários. Ou seja, o paciente faria um plano de saúde ou um seguro saúde apenas para a parte hospitalar e de exames complementares, sem interferência no valor estipulado pelo profissional.

Infelizmente não vi preocupação em nenhum dos planos de governo com os médicos, que são figuras essenciais para a qualidade na saúde. São Lucas no seu Evangelho sentenciava "médico, cura-te a ti mesmo". Ao que nós respondemos: vamos cuidar melhor de quem cuida de ti.

Cícero Urban, médico oncologista e mastologista, é professor-titular das disciplinas de Metodologia Científica e Bioética na Universidade Positivo.

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