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No "day after" da visita do presidente George W. Bush, o Brasil começa a entender que realmente pode colocar o pé no vestíbulo das grandes potências mundiais com a produção do etanol e a bioenergia; o nosso papel de nascente liderança em vastas áreas do agronegócio mundial como as carnes, a soja e agora a produção de energia renovável nos qualificará para tal. Um sintoma claro do desconforto de alguns países com nossa entrada nesse clube seleto está na declaração do ministro da Agricultura da França, M. Dominique Bussereau, que acusou o Brasil de adotar uma "postura predatória nas negociações sobre os subsídios dos países desenvolvidos aos bens agrícolas". O que o ministro francês chama de "postura predadora" é, na realidade uma coisa bastante simples: ser capaz de oferecer produtos agrícolas por uma fração do preço que os europeus estão sendo obrigados a pagar aos seus agricultores locais . Quando os subsídios e as proteções aduaneiras atuais desaparecerem, os consumidores americanos e europeus descobrirão que estão pagando muito caro aos agricultores americanos e franceses por alimentos que o Brasil produz em quantidade e qualidade de níveis internacionais e então mostrarão aos seus governantes que já não estarão mais dispostos a meter a mão no bolso apenas para satisfazer os interesses regionalistas do Corn Belt e do Rust Belt americanos e da "France Profonde".

O etanol e os bioenergéticos em geral são uma gigantesca janela de oportunidade para o Brasil ampliar a presença internacional e consolidar-se na liderança do agronegócio. Temos território, solos, posição geográfica, tecnologia e sol para isso. E como não tenho visto nos diversos testemunhos e documentos recentes sobre o assunto nem uma menção de reconhecimento aos governos de Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo, faço-a eu. Se o Brasil está se tornando uma potência na área se deve muito aos dois generais, em cujos governos foram criados a Embrapa e o Programa Nacional de Álcool . É impossível dissociar a modernização no campo brasileiro do trabalho da Embrapa como é impossível desconhecer que o arcabouço básico científico e tecnológico que levou à liderança na bioenergia começou a tomar contornos naquela época.

No entanto, é preciso também reconhecer alguns erros estratégicos cometidos na implantação do programa do álcool na década de 1980 e que, se não tivessem sido cometidos, teriam multiplicado os efeitos positivos sobre a economia brasileira e reduzido significativamente os impactos sociais e ambientais negativos. A interferência governamental no programa do álcool naquela época para "racionalizá-lo" foi sufocante e teve um efeito contrário: encareceu-o, complicou-o e burocratizou-o. Para se fazer uma prosaica conversão do motor a gasolina para o álcool, era necessário um credenciamento especial; para abrir um simples posto de gasolina tinha-se de ter uma autorização do órgão máximo da época, o Conselho Nacional do Petróleo. A distribuição ficou entregue à Petrobrás e a livre venda direta do combustível nas próprias usinas era proibida. Os preços do álcool eram atrelados aos dos outros combustíveis e a produção dependia de cotas de açúcar para não contrariar os interesses regionais dos industriais do Nordeste que sempre dominaram a política do setor. As escalas de produção mínima estabelecidas pelo governo federal eram elevadas e conseqüentemente seus impactos ambientais também; só mais tarde foram permitidas as miniusinas de álcool quando o governo já não demonstrava o mesmo entusiasmo pelo programa. O modelo de integração entre a agricultura da cana, a transformação industrial e a comercialização do produto favoreceu a concentração de renda e abastardou a qualidade dos empregos, sacrificando cruelmente os trabalhadores.

Agora, temos a segunda chance de fazer do álcool e de outros subprodutos da cana-de-açúcar uma indústria de alto nível. Para isso, é necessário que aprendamos dos erros do passado, que nos dispamos de preconceitos contra a cooperação e o intercâmbio tecnológico com os americanos, que estimulemos a implantação de um modelo de produção descentralizado, pulverizador da renda nas atividades de menor complexidade, mas competitivo no nível internacional. É claro que sempre haverá os críticos da agricultura moderna e saudosistas da agricultura de subsistência, especialmente os que nunca tiveram que viver dela, mas isso nada mais é do que a nossa velha conhecida, a Síndrome de Rebecca, a Mulher Inesquecível de que já falei neste espaço. "Ah, como era bom o tempo em que todo ano faltava feijão, em que os bois desapareciam dos pastos e a carne dos açougues, em que o leite era misturado na água para render mais, em que as frutas eram tão caras que justificavam ser vendidas em lojas especializadas..."

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor de mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School.

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