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Nossa geração vai deixar um Brasil melhor, mas ainda longe dos sonhos e promessas que deveríamos ter atendido. Demos passos, não saltos; fizemos evoluções, não revoluções. Recebemos um país sob ditadura, deixaremos o país democrático, com uma Constituição que assegura direitos. Herdamos um país cuja elite ignorava as massas, vamos deixá-lo com um programa que transfere renda, mesmo que minimamente. Deixaram-nos um país sem moeda, viciado na inflação; entregaremos um país com um razoável compromisso com a estabilidade monetária. Recebemos um país que desprezava a natureza; devolvemos um que descobriu o meio ambiente.

Mas a Constituição é corporativa, defende interesses de grupos, não necessariamente da pátria e do povo. Não demos os passos necessários para transformar a economia manufatureira em uma capaz de produzir os bens que caracterizam a indústria do conhecimento do século 21. Não fomos capazes de tomar as medidas necessárias para criar e implantar uma economia que proteja o meio ambiente. Não fizemos a revolução capaz de incorporar efetiva e eficientemente nossa população pobre na participação e nos direitos da modernidade. Não derrubamos o muro que divide nosso país em dois, nem o muro que nos separa dos países desenvolvidos. E responderemos por um enorme retrocesso no nível de consciência e mobilização social.

Estamos entregando aos jovens um país estancado no debate de idéias, desmobilizado na defesa dos interesses da nossa soberania, sem sonhos para o futuro nem memória política. É certo que esse vazio de idéias é fruto, entre outros, da queda do muro de Berlim e do surgimento do pensamento neoliberal único. Mas foi sobretudo o rumo seguido nesses últimos anos por políticos conservadores, perplexos diante da adoção de suas idéias pelas forças que deveriam trazer alternativas, e também o pensamento único assumido por forças progressistas que, uma vez no poder, renegaram suas idéias e adotaram as que antes criticavam. Tomamos a democracia, a eleição direta, a constituinte como panacéia para a construção do futuro. O corporativismo individualista que corroeu o sentimento de pátria e de longo prazo também é responsável pelo vazio ideológico, e limita sua luta às reivindicações imediatistas de alguns grupos. Essas são as causas do retrocesso criado pelas esquerdas que assumiram o poder desde Itamar, passando por FHC e pelo governo Lula, sem discurso alternativo para um mundo de crise ecológica, vulnerabilidade internacional e divisão social crescente. Com habilidade para aglutinar todas as forças políticas, capacidade de adaptação e simpatia carismática, além do pragmatismo, o governo Lula acabou suspendendo o debate. Os sindicatos estão paralisados, os intelectuais calados, os estudantes catatônicos, os movimentos sociais estancados, os partidos misturados, os militantes empregados e a mídia prisioneira dos escândalos.

A campanha de 2008 é um exemplo. Os partidos estão misturados em composições diferentes de uma cidade para outra, sem a menor cerimônia entre antigos adversários, todos "igualmente iguais", sem cor, sem dentes, sem projetos diferenciados. Não há sinal de idéias. As bandeiras nem ao menos indicam os partidos, apenas o número do candidato e raramente seu nome.

O resultado desse retrocesso político-ideológico levará anos para ser corrigido. Os partidos parecem clubes eleitorais, reunindo candidatos sem sonhos coletivos, sem idéias de futuro. Somente a conveniência, para aumentar o tempo de televisão.

Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF.

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