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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A promessa de “limpar” o nome de 63 milhões de brasileiros com restrição nos serviços de proteção ao crédito está entre as propostas que mais chamam a atenção na disputa presidencial. Mas algumas perguntas ainda não foram respondidas: a proposta é factível? Qual seu impacto sobre a economia?

Pelas informações disponíveis até o momento, propõe-se uma negociação em bloco entre os consumidores com pagamentos em atraso e os credores (bancos, lojas, companhias telefônicas, entre outros). Intermediada pelo governo, o resultado dessa negociação será um deságio sobre o valor das dívidas. Após essa etapa, os consumidores terão suas dívidas renegociadas a baixas taxas de juros por bancos públicos.

Se bem sucedida, essa mecânica traria essas pessoas de volta ao mercado consumidor pelo caminho do crédito, mediante ampliação do nível de consumo agregado da economia com seus consequentes reflexos sobre o emprego e a renda. Apesar de seu forte apelo popular, sobretudo para os beneficiados diretamente, a proposta apresenta problemas sérios quanto a seus resultados sobre a economia.

Não se pode assumir premissas a priori sobre o caráter e a capacidade de pagamento desses devedores

Apesar da aparentemente fácil transferência de dívida para os bancos públicos, já que o seu controlador é o próprio governo, a medida tem impacto no risco de suas carteiras de crédito. Não se pode assumir premissas a priori sobre o caráter e a capacidade de pagamento desses devedores. É fácil imaginar que alguns deles irão se endividar novamente em função de ainda estarem sob forte restrição de renda. Outros, diante das novas regras, podem se sentir encorajados a se tornarem inadimplentes novamente. O incentivo gerado pelo deságio e baixas taxas de juros poderá produzir efeitos similares às repetidas renegociações ocorridas no crédito agrícola e na área tributária, como o Refis. Dessa forma, a inadimplência voltará a ser observada tanto nas novas operações de crédito quanto naquelas que foram transferidas para os bancos públicos.

Diante dessa nova inadimplência, os bancos públicos terão de compensar as perdas nas demais operações que realizarem. O reflexo disso é um aumento nas taxas cobradas dos demais tomadores de crédito. Ou seja, o custo dessa decisão irá recair principalmente sobre os bons pagadores que tomarem recursos nos bancos públicos após a implementação da medida.

Do ponto de vista dos credores originais, tal política representa, na prática, aliviar suas carteiras de crédito do peso dessa inadimplência, melhorando seus resultados mediante reversão de provisões para devedores duvidosos. Além disso, eles também serão poupados de todos os custos de cobrança.

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Adicionalmente, a adesão dos credores a essa negociação apresenta um outro grande impacto negativo. A medida retira em bloco a demanda pelos serviços legais e operacionais de cobrança, deslocando negativamente sua demanda e interrompendo a execução de contratos, podendo eliminar empregos no setor.

Sendo assim, essa é apenas mais uma proposta com resultados apenas no curto prazo, tão comum entre as práticas que dominam a gestão pública brasileira. Os manuais de finanças e economia apresentam farta evidência de que políticas de preços mínimos ou máximos, direcionamento de crédito, entre outras medidas desse repertório de gestão econômica, apresentam como resultado a distorção de preços relativos e a consequente canalização de recursos para setores ineficientes. E pelo andar da campanha, pelo jeito seremos reféns dessas ideias por mais algum tempo.

Eduardo Senra Coutinho, doutor em Administração, é professor titular de Finanças e coordenador da graduação em Administração do Ibmec/MG. Márcio Antônio Salvato, doutor em Economia, é professor e coordenador da graduação em Ciências Econômicas do Ibmec/MG.
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