• Carregando...
Apenas 3 de cada 10 alunos com deficiência participam efetivamente das aulas, aponta pesquisa com professores
Imagem ilustrativa.| Foto: Albari Rosa / Arquivo Gazeta do Povo

Recentemente, em um editorial do jornal O Estado de SP, vimos o ataque a uma política pública que visa a dar diversidade de escolhas educacionais para as famílias. A crítica era voltada a um projeto de lei do governo de São Paulo que cria o Programa Escola Cívico-Militar. O programa é direcionado a escolas com índices de rendimento inferiores à média estadual, considerando taxas de vulnerabilidade social e fluxo escolar. Os objetivos são a melhoria da qualidade do ensino, medida através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o enfrentamento à violência e a promoção da cultura de paz no ambiente escolar. Importante: o projeto estabelece explicitamente que a implementação do programa em cada escola sugerida só se dará se a comunidade escolar assim desejar. Ou seja, não haverá imposição; haverá possibilidade de escolha.

Tal possibilidade parece ter passado despercebida do autor do editorial. No seu texto, cujo título é “Educação não é caso de polícia”, o projeto é tratado quase como uma ameaça de intervenção a ser imposta para “intimidar os alunos com policiais disciplinadores ao invés de estimulá-los a ler e pensar”. A simplificação é falaciosa, pois alunos e professores já são intimidados na escola e tal intimidação não se dá por policiais disciplinadores e sim através de agressões físicas, bullying e tráfico drogas dentro e no entorno das escolas.

Ao fim e ao cabo, o que se convencionou chamar de “educação brasileira” é, sim, caso de polícia.

Segundo o texto, o governo paulista parte de erros crassos de diagnóstico para justificar a implementação das escolas cívico-militares. Um desses supostos erros é o de julgar que, na educação pública, em particular na educação básica, existe um problema disciplinar e um político-ideológico. Em relação à questão disciplinar, aparentemente o mesmo “erro crasso” foi cometido pelo INEP ao republicar a pesquisa TALIS (Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio) da OCDE. Essa pesquisa mostra o alto nível de estresse a que se submetem os professores das escolas públicas brasileiras devido a indisciplina e intimidação dos alunos. Na verdade, dentre os países participantes do PISA, os estudantes das escolas públicas brasileiras estão dentre os mais indisciplinados e os professores dessas escolas estão dentre os que perdem mais tempo tentando conseguir a atenção dos estudantes. Ainda que óbvia, a relação entre esses dados e o pífio desempenho do Brasil no PISA está explicitamente estabelecida.

Quanto à suposição de que não há um problema político-ideológico nas escolas, cabe a pergunta: problema para quem? Para quem defende que a educação básica deve iniciar os educandos no que a cultura ocidental produziu de melhor e prepará-los técnica e eticamente para atuar como adultos, sim, o problema existe e é grave. Sugiro que se pesquisem as bases curriculares da formação docente e os livros didáticos adotados nas escolas. Tentem também encontrar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e para a Alfabetização, ferramentas e estratégias baseadas em evidências de sucesso educacional. Lamentavelmente, prevalecem crendices ideologicamente enviesadas e que foram refutadas há décadas pela ciência.

As evidências recentes mais contundentes desse viés podem ser encontradas no ENEM 2023. Além do esquerdismo rasteiro de questões demonizando o setor do agro, a prova evidencia em outra questão o que os “pensadores” de políticas públicas de educação brasileiros entendem ser o objetivo do ensino básico no Brasil: produzir "educandos responsáveis pela participação sociopolítica". A partir de um texto de Paulo Freire e de outro baseado em sua obra, explicita-se na resposta do gabarito que essa é a “ética pedagógica” a ser seguida: formar ativistas políticos com “consciência da sua realidade para, assim, transformá-la.”

Além de apontar os “erros crassos” de quem planejou o projeto, o editorial avalia que “escolas cívico-militares padecem de um vício de origem” porque, supostamente, a educação pública deve ser civil. Ora, se vamos falar de vícios de que padece a escola pública brasileira, muito mais relevante é o vício de final, no sentido de objetivo. Ao contrário dos que supõem que o sistema educacional existe para manter-se a si mesmo independentemente de resultados, pais, mães, pagadores de impostos e os egressos do sistema sabem que sua existência deveria estar vinculada à efetiva capacitação dos estudantes para atingir seu potencial pessoal e profissional. Como atestam os dados do INEP, não é isso que acontece. No entanto, aparentemente, a situação catastrófica disso que se convencionou chamar de “educação brasileira" – que é qualquer coisa menos educação – não parece inaceitável. Pelo menos, não o suficiente para que se justifique adotar um modelo de gestão que pode efetivamente ajudar a mudar esse cenário.

O único tipo de “diversidade” proposto pelos que pensam a educação brasileira é o de que a escola seja baseada em valores diversos dos que formaram a cultura ocidental.

O texto aponta ainda que o governo paulista ignora que valores como civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito não são exclusivos dos militares. Ora, evidentemente escolas civis também podem e devem trabalhar esses valores com os estudantes. No entanto, erro crasso é ignorar que, enquanto esses valores são enfatizados na formação militar, estão completamente ausentes dos currículos de formação docente. Professores que transmitem esses valores a seus alunos provavelmente o fazem a partir do que aprenderam com seus pais ou com professores que, por sua vez, aprenderam com os seus.

O modelo pedagógico da famosa escola pública independente Michaela, em Londres, baseado em uma cultura de rigor acadêmico e disciplinar – muito superior ao das cívico-militares brasileiras – parece estar se espalhando. E, atenção, não há nessa escola nenhum militar. Trata-se da escolha de Katharine Birbalsingh, gestora da escola, que com seus professores, de forma consistente e direcionada, constroem e fomentam essa cultura. Desnecessário acrescentar que as famílias que escolhem essa escola estão muito satisfeitas. Tanto assim, que outras escolas estão seguindo o modelo.

Na verdade, a oposição entre as escolas cívico-militares e as civis são usadas apenas como espantalho. O que incomoda não é o possível questionamento quanto à capacidade de escolas civis de ensinar valores como “civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito”. O que incomoda é que escolas cívico-militares explicitamente se propõem a fazê-lo e existe uma forte demanda não atendida de famílias que buscam essa opção educacional. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais os defensores do sistema de educação brasileiro se opõem tão ferozmente a parcerias público-privadas na educação. Parceiros privados – civis – poderiam, se as comunidades escolares desejassem, implementar uma gestão baseada nesses mesmos valores, assim como se dá na já citada escola Michaela. Afinal, para quem considera essencial que um sistema educacional abarque a diversidade de demandas, o ideal seria que as escolas cívico-militares não representassem a única opção para as famílias que buscam escolas mais rígidas disciplinarmente.

Lamentavelmente, o único tipo de “diversidade” proposto pelos que pensam a educação brasileira é o de que a escola seja baseada em valores diversos dos que formaram a cultura ocidental. A intenção de garantir acesso, permanência, equidade e inclusão de negros, quilombolas, indígenas, membros da comunidade LGBTQIAPN+, dentre outras minorias, está explicitada no documento que servirá de base para o novo Plano Nacional de Educação. No entanto, não se engane, qualquer membro de qualquer um desses grupos só é diverso na medida em que pensa e age segundo a ideologia prevalente. Você não verá nenhum especialista em educação brasileira lutando pelo direito de qualquer um desses indivíduos de escolher frequentar uma escola cívico-militar.

Para não fugir do lugar comum, o texto do Estadão nos assegura que “qualquer projeto voltado à melhoria da educação básica no país tem de passar, necessariamente, pela formação dos professores, pela valorização material dos docentes e, não menos importante, pela reavaliação permanente dos modelos pedagógicos”. Sim, formação docente de excelência é essencial. Isso significa que, enquanto os (de)formadores dos docentes não se basearem em ciência, mais (de)formação docente só tornará ainda pior a educação brasileira. A se manter a (in)capacitação baseada em crendices woke, quanto menos melhor para os futuros professores e seus futuros estudantes. O mesmo vale para a “reavaliação dos modelos pedagógicos”. Reavaliação a partir de que parâmetros? “Diversidade, equidade e inclusão”? “Qualidade social”– como propôs a Conferência Nacional de Educação (CONAE) 2024?

Quanto à valorização material dos docentes, experimente sugerir vinculá-la a resultados dos estudantes em exames padronizados e aguarde a gritaria dos que acham que devem ser valorizados por suas intenções – que, como sabemos, frequentemente sequer são compartilhadas por pais e mães. Experimente sugerir excelência na aprendizagem e aguarde o clamor dos defensores da “equidade”, que, em bom português, significa a maravilhosa sensação de que nas escolas todos os alunos têm desempenho igual, qualquer que seja seu nível socioeconômico, raça, sexo etc. O fato de que todos desempenham igualmente muito mal é um fator que não chega a preocupar os defensores da equidade.

Por fim, em mais uma falácia, o texto nos adverte que o salto de qualidade da educação básica não será dado “distribuindo pequenas fardas para crianças, tampouco enchendo as escolas de policiais militares aposentados à guisa de prover segurança e disciplina”. Como sabem as pessoas que pensam a educação, não existe medida isolada que garanta “saltos de qualidade” e a falácia aqui está justamente na intenção de convencer os desatentos de que se uma política não soluciona todos os problemas, é melhor que não seja implementada. Mesmo se (ou principalmente se) ela atende à demanda de pais e mães. Aliás, que autoridade tem pais e mães de crianças em escolas públicas para achar que podem fazer escolhas educacionais? Deveriam se dar por satisfeitos de terem seus filhos em escolas “gratuitas” e se limitar a obedecer às orientações dos “especialistas” em educação brasileira.

Na verdade, o que está por trás da revolta contra o programa do governo paulista é o objetivo tácito dos pensadores da educação brasileira de destruir o legado da cultura ocidental, incluindo aí justamente valores como “civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito”. Pouco importa se o ensinamento desses valores vem de militares ou de civis. E, como eles sabem que se pais e mães puderem escolher, não escolherão o socialismo, o caos, é absolutamente crucial proibi-los de escolher. Não por acaso, o documento da CONAE não apenas ataca escolas cívico-militares, como pretende proibir as parcerias público-privadas e sistemas de vouchers escolares, além de criminalizar a prática do homeschooling.

Se o que a maioria dos pais e mães brasileirosespera da escola é que seus filhos aprendam as disciplinas escolares e valores como “civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito”, textos falaciosos que nos tomam a todos como idiotas são o menor dos problemas. O que temos é um mega esquema de extorsão, na medida em que a sociedade não apenas é impedida de escolher e acessar os serviços educacionais que são comprados com seus recursos, como é obrigada a bancar um sistema que tem por fim destruir seus valores. Ao fim e ao cabo, o que se convencionou chamar de “educação brasileira” é, sim, caso de polícia.

Anamaria Camargo é mestre em Educação pela Universidade de Hull e Presidente e Diretora Executiva do Livre pra Escolher. 

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]