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Sobre licenças e ofensas
| Foto: Felipe Lima

Depois de décadas em que nossa política não perdeu uma só oportunidade de perder oportunidades, parece haver indícios de que os brasileiros aprenderam algumas lições, entre elas a de que a cláusula constitucional da igualdade perante a lei jamais conseguiu pular daquele robusto livro de contos fantasiosos da carochinha para a vida. Com o aval popular crescente a essa percepção, muitas falácias que entupiam os canos do progresso foram derrubadas, entre elas a que dava margem a aceitar como normal a existência de duas categorias de cidadãos: os comuns e os privilegiados e, dentre estes, o funcionalismo público.

Bem mais do que doutrinas ou ideologias, a situação de penúria do país e das três esferas de Estado não permite mais sustentar privilégios de qualquer natureza e, portanto, é preciso abandonar a versão tupiniquim da doutrina de Abraham Lincoln, a do governo dos funcionários, pelos funcionários e para os funcionários. É uma necessidade que se impõe por todos os critérios: o da justiça, o da igualdade frente à lei, o da moral, o do bom senso e o mais objetivo e frio deles, que é o da contabilidade. Mas a categoria dos privilegiados, municiada pelos arautos das “desigualdades”, que gostam de ser chamados de “progressistas”, como sempre, resiste. Sim, austeridade para todos, exceto para meus amigos e para mim...

O momento impõe a todos os brasileiros que puxem o lápis da orelha, façam contas e apertem o cinto

Frente ao realismo imposto pelas magérrimas vacas, o governo paranaense apresentou o PLC 9/2019, que pretende extinguir as licenças especiais dos servidores públicos do Executivo e Legislativo (o Judiciário, amparado pela Lei 16.024/2008, permanece imune a qualquer tentativa de austeridade). Caso o PLC seja aprovado, as mudanças valerão apenas para os funcionários já em serviço; para os novos contratados não haverá mais esse tipo de licença.

Alguns argumentos em favor da manutenção do privilégio das licenças especiais chegam a ser infantis, como o de que ele permite que os funcionários se matriculem em cursos de aperfeiçoamento e capacitação, por não levar em conta que os órgãos podem liberá-los para os cursos mesmo na ausência do benefício. Outro deles, o de que os servidores não recolhem FGTS e por isso, em caso de aposentadoria ou exoneração, são privados do fundo de reserva que seria garantido pela remuneração ganha durante as licenças, parece endossar como virtude o mau hábito de gastar tudo o que se ganha durante a vida, enquanto consagra como direito a remuneração pródiga na velhice. Só falta mesmo tratarem esforços de poupança individuais como vícios...

Há poucos dias, o governo estadual recuou e está propondo alterações no projeto de lei original, como a de criar no lugar do benefício a ser extinto uma “licença-capacitação”, em que os funcionários com cinco anos consecutivos de serviço poderão tirar três meses de licença remunerada, desde que comprovem que fizeram os tais cursos de aperfeiçoamento.

O momento impõe a todos os brasileiros que puxem o lápis da orelha, façam contas e apertem o cinto, providência bem desagradável, mas que nos foi forçada pela descomunal irresponsabilidade de sucessivos governos anteriores, em municípios, estados e no âmbito federal. Assim, tentativas de manter privilégios são absolutamente indefensáveis porque, além de arrastões fracassados contra a contabilidade, são acometimentos despudorados contra a moralidade. Licenças especiais, queiramos ou não, são privilégios e ofensas às gerações futuras.

Ubiratan Jorge Iorio é economista e diretor acadêmico do Instituto Mises Brasil.

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