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"É rastro de onça. Não da parda, pintada mesmo. O moço do outro turno viu. Eu vi, longe, naquele talhão ali, perto do rio."

Atuei como membro do Conselho de Administração da Ambiental Paraná Florestas S.A., atual Instituto de Florestas do Paraná, de 2006 a 2010. Fui interlocutor no diálogo acima. Na ocasião, um funcionário da empresa me contava que, entre os talhões de floresta plantada nas áreas de Reserva Legal, a natureza seguia firme e forte. De fato, para a nossa surpresa, esquecidos no meio do espólio do falecido Banestado, encontramos araucárias centenárias, imbuias, suçuaranas, veados, cachorros do mato vinagre, além da mítica onça. Uma riqueza escondida em mais de 40 mil hectares de floresta – área maior do que toda a cidade de Curitiba.

Esse patrimônio corre sério perigo. O governo do estado anunciou a venda de sete das 17 terras pertencentes ao instituto e a negociação acontece nesta segunda-feira, dia 26 de maio. As unidades postas à venda totalizam 12,8 mil hectares, localizados em Castro, Doutor Ulysses, Cerro Azul e Ponta Grossa. Juntas, as áreas devem render aos cofres públicos pouco mais de R$ 105 milhões. Sob a desculpa de que uma mínima porção desse lucro será destinada à proteção de áreas preservadas em terras de terceiros, vende-se espaços que já se encontram protegidos. É um negócio sem lógica ou razão. Seria mais ou menos como se o Paraná vendesse seus hospitais públicos para, como uma parte do valor, ajudar clínicas privadas.

As terras em poder do estado não podem ser tratadas como áreas particulares. Não podem ser alienadas quando as contas vencem ou em nome de projetos de poder. A afirmação de que a venda envolve áreas plantadas com pinus não corresponde à realidade. No interior de todos os talhões, como determina o Código Florestal, existem Áreas de Proteção Permanente e Áreas de Reserva Legal. Ao vender essas florestas, o governo ignora a obrigação constitucional de zelar pelo meio ambiente e pelos processos ecológicos necessários à sua manutenção. Processos ecológicos são as relações entre biomas e espécies, viabilizados por corredores ecológicos. Ao lado das áreas colocadas à venda existem parques estaduais que, por sua vez, dependem, para a manutenção de sua biodiversidade, dos corredores ecológicos, propiciados pelas florestas colocadas à venda. O governo não pode, em nome da adequação financeira, ignorar esta obrigação.

David Suzuki, um dos mais importantes ambientalistas vivos, defende que a boa (e a má) política ambiental impactam diretamente sobre o bem-estar e a riqueza dos estados. Usou, na elaboração da famosa Declaração de Interdependência, a percepção de estudiosos como Edward Wilson, Jared Diamond e Michel Soulè. Cientistas que perceberam que projetos egoístas e irresponsáveis levam sociedades à bancarrota. Por outro lado, a responsabilidade ambiental – traduzida no respeito ao futuro das próximas gerações – garante desenvolvimento.

Ao vender áreas essenciais à manutenção dos ciclos ecológicos, o governo deixa deixa claro não possuir essa percepção. O agronegócio depende das florestas, de onde saem polinizadores, predadores de pragas e o equilíbrio do regime das chuvas. O ICMS da agricultura viabiliza o pequeno negócio que, por sua vez, é a base econômica da produção industrial. O trabalhador da indústria precisa da água limpa do rio, do ar menos poluído, do ciclo saudável das estações. Doente, por que bebeu água contaminada, por que respirou sujeira, custa dinheiro ao estado, gasto em saúde e horas perdidas de produção. Dinheiro gasto e que não poderá ser investido na infraestrutura necessária à competitividade.

Fico imaginando os passos e o destino daquela onça, daqueles bichos que vivem nas áreas que hoje o estado coloca à venda. Sofro em imaginar seus destinos, longe da proteção que mereciam. Sofro em imaginar qual será o destino. Talvez aquele Paraná, rico e pujante, fique para trás, varrido para sempre do nosso futuro.

Aristides Athayde, advogado e professor, é diretor de energias renováveis da Câmara de Comércio Americana em Toronto.

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