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Pode estar sendo criado um órgão de re­­­pressão por puro revanchismo ideológico, indo em direção completamente oposta ao regime democrático que hoje vigora

Mobilizando uma verdadeira tropa de elite, a presidente Dilma conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados o projeto de lei que trata de uma questão que, desde o fim da era da ditadura, desperta discussões acaloradas entre políticos, advogados, militares e diversos membros da sociedade civil: a criação da Comissão Nacional da Verdade, medida que tem por objetivo investigar as mazelas e desmandos supostamente praticados pelos militares em frontal violação dos direitos humanos dos então reacionários e subversivos de nosso país.

Com o devido respeito, quiçá por ser nossa presidente um dos personagens centrais de tais arbitrariedades militares, o gabinete da Presidência e o Ministério dos Direitos Humanos elegeram a criação desta comissão como um dos pontos de fé de sua gestão. Mas a questão não é tão simples como parece. Como dito anteriormente, tal assunto sempre foi tratado com muita reserva desde que o regime democrático voltou a imperar em nosso país.

Se por um lado já está sinalizado que o principal objetivo desta comissão não será a instauração de nova persecução penal contra os envolvidos por força dos ditames da Lei da Anistia, a maior justificativa de sua criação é dar uma satisfação à sociedade e principalmente aos familiares daqueles que sucumbiram às barbáries praticadas na época da ditadura. Não se discute aqui a essência da criação de tal comissão, mas sim se ela conseguirá alcançar resultados práticos.

Ora, não se pode negar que durante o período da ditadura militar travou-se uma guerra suja e silenciosa entre militares e civis contrários ao regime. Logicamente que ambas as partes, cada uma com sua intensidade ou objetivo, por diversas vezes fizeram letra morta da Constituição, leis e tratados, praticando uma série de atos ilegais, como torturas e assassinatos. Estudos, livros e diversas publicações comprovam tais afirmações.

Do lado da sociedade civil, o livro-denúncia Brasil: Nunca Mais se revela como a maior fonte probatória das condutas ilegais praticadas pelos militares durante os tempos da ditadura, atestando, mediante relatos extraídos dos próprios processos do Supremo Tribunal Militar arbitrariedades violadoras de direitos humanos de cidadãos comuns. Por outro lado, as conclusões do projeto Orvil, um manuscrito elaborado pelos militares descrevendo um relato minucioso da atuação dos subversivos sob a ótica direitista, comprova que os civis, igualmente, praticaram atos ilegais para justificar sua ideologia contrária ao sistema.

Partindo-se dessa premissa, muito cuidado deve ser adotado na escolha dos integrantes desta comissão. De acordo com o projeto de lei, tais integrantes deverão possuir "reconhecida idoneidade e conduta ética" e serão escolhidos pelo presidente, não podendo estar exercendo cargo no Executivo. É fato que não se pode deixar de considerar que muitos dos que hoje circulam nos meios políticos de nosso país, mesmo possuindo os requisitos exigidos pela Lei para ocupar cargos nessa Comissão, sofreram na pele as arbitrariedades da ditadura, sendo óbvio o comprometimento ideológico de suas posições, não se precisando de muito esforço para se levantar indagações sobre a efetiva imparcialidade da futura Comissão da Verdade.

Não está aqui se fazendo um juízo prematuro, muito menos sensacionalista para proteger quaisquer dos lados envolvidos ou sendo manifestada opinião contrária a criação de tal Comissão. O que se pretende, sabendo-se dos comezinhos e chicanas que sempre permearam atuações políticas em nosso país em temas de alta repercussão como este, pode estar sendo criado um órgão de repressão contra os então ditadores militares da época, por puro revanchismo ideológico, indo em direção completamente oposta ao regime democrático que hoje vigora.

Ou seja, os escolhidos para a função, se tiverem qualquer tipo de ligação contra ou a favor dos atos daqueles tempos, com a mais absoluta certeza não cumprirão seu papel principal de investigar, podendo vir a comissão se revelar como um novo Tribunal Inquisitório, tendo como julgadores agora os subversivos de outrora, tentando fazer uma vingança tardia e sem pena.

João Paulo Maranhão é advogado.

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