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“É preciso sair da ilha para ver a ilha”, escreve José Saramago em O Conto da ilha desconhecida. É difícil reconhecer as próprias incoerências porque nem sempre as distinguimos como tal. Já a incoerência alheia salta aos nossos olhos, escandaliza, choca, às vezes irrita.

Vendo de longe, parece estranho que tantas pessoas se deixem enganar por líderes religiosos que arrancam descaradamente fortunas de seus fiéis. Como permitem que lhes tosquiem?

Não há fórmula nem receita pronta contra a estupidez humana

Alguém em melhor situação financeira indaga consternado: como os humildes aceitam docilmente trocar seu voto por assistencialismo que os condenará à pobreza eterna? Além disso, se o Estado cobra tanto imposto tendo como justificativa a distribuição da renda, por que a carga tributária incide sobre os pobres?

Outras indagações que ouvimos – ou fazemos: como pessoas inteligentes defendem cegamente ideologias já desacreditadas pelo tempo, como a segregação extrema ou igualdade utópica? Os experimentos malogrados postos em prática mundo afora, já não mataram o suficiente?

Como alguém em sã consciência pode abraçar uma doutrina que pressupõe retirar a liberdade ou a vida das pessoas para sua implementação?

É a paixão cega que nos move, não há racionalidade quando se é guiado por preceitos rígidos. Quanto à pergunta título, respondo por mim. Tenho minha cota de insensatez, carrego espontaneamente minha cruz: aposto na Mega-Sena.

Não aposto em todo sorteio, só quando a Mega-Sena está acumulada. Como matemático sei que a probabilidade não está ao meu favor, apostaria um contra um milhão que não ganharei. Por outro lado, sabe-se que ganhadores de grandes quantias em loterias perderam a paz e a família, alguns a própria vida.

Já a Caixa Econômica Federal informa que menos da metade do dinheiro arrecadado por suas loterias é convertida em prêmio. A maior parte do bolo vai para outras finalidades. Metade dessa montanha de dinheiro, se bem aplicado, resolveria muitos problemas prementes. Mas acreditar que a solução venha dos governantes não seria a suprema insensatez?

Como vê, minha estupidez é grande. Mesmo diante de tanta informação desanimadora, lá estou eu convicto em meu delírio, na fila da lotérica: agora é minha vez! Confessada a fraqueza, cabe a explicação. Quem sabe convenço alguém que padeça do mesmo mal: faço uma só aposta, duas ou cem não aumentariam as chances em nada, só o prejuízo no bolso.

Não há fórmula nem receita pronta contra a estupidez humana. Só a vigilância constante nos livrará de tentações simplificadoras daqueles que nos prometem o céu antes da morte, o paraíso sem esforço. Há esperança, todavia. Uma boa dica é se espelhar no cientista, que quando acredita ter descoberto a certeza, tenta provar que está errado.

Florentino Augusto Fagundes, professor de Matemática da PUCPR.
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