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 | Marcelo Camargo/Agência Brasil
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

No dia 14 de julho eu e mais oito pessoas embarcamos para Boa Vista, Roraima, com a missão de levar alimento para os refugiados venezuelanos, mas também de alimentar a alma de quem teve de deixar seu país e sua origens.

Nos meses que antecederam a viagem, já havíamos desenvolvido um projeto chamado Musicalização infantil, em parceria com a PUCPR e com a organização missionária Jocum (Jovens com uma Missão), no qual arrecadamos 30 flautas que foram distribuídas no abrigo Jardim Floresta para que crianças entre 6 e 12 anos pudessem ter aulas de música. Iniciativas como essa são muito importantes porque permitem que as crianças tenham acesso a educação, pois apesar dos abrigos contarem com uma estrutura bem organizada, não existe nenhum tipo de rotina escolar e a maioria das crianças não conseguem vaga nas escolas públicas.

Nas ruas de Boa Vista é possível perceber a presença de inúmeros refugiados desabrigados. Muitos deles acampam em barracas ao longo das avenidas, outros ficam embaixo de marquises ou mesmo na frente dos abrigos existentes, mas já lotados. A quantidade de crianças desabrigadas é muito grande. Presenciamos uma mãe tendo que dar banho na filha em um balde de água fria para conseguir baixar a febre da menina, que deveria ter em torno de 3 anos. Ela nos disse que o acesso a medicamentos pelo SUS é muito difícil. Segundo informações que recebemos durante nosso trabalho em Pacaraima, cidade que faz fronteira com Santa Elena na Venezuela e é a principal porta de entrada dos venezuelanos, há 80 mil refugiados em Roraima e chegam em média 800 pessoas por dia na fronteira. Muitas delas vem caminhando desde Caracas, que fica a mais de 1000 km.

Há 80 mil refugiados em Roraima e chegam em média 800 pessoas por dia na fronteira

Em Boa Vista existem oito abrigos, todos da Acnur (Alto comissariado das Nações Unidas para refugiados) e em parceria com o exército brasileiro na chamada Operação Acolhida. Trabalhamos em dois deles, o Jardim Floresta e o Pintolândia. Este último, tem a particularidade de ser um abrigo indígena com mais de 700 índios, a maioria da etnia Warao. A dinâmica nesse abrigo visa sempre respeitar e preservar a cultura indígena, tendo assim suas particularidades. Por exemplo, ao invés dos indígenas receberem a comida pronta, como nos outros abrigos, os administradores entregam as cestas básicas para cada cacique, que distribui entre as famílias. Os alimentos são então preparados por eles em um espaço reservado para isso, no chão, como fariam nas aldeias. Nesse abrigo, é realizada todo sábado uma feira de artesanato com as peças confeccionadas pelos Warao, respeitando assim sua forma de expressão. Os indígenas foram os primeiros afetados pela crise na Venezuela e é importante destacar que é a primeira vez na história que se tem notícia de população indígena refugiada. Mesmo os órgãos responsáveis, como a Funai, nunca enfrentaram uma situação parecida.

Além dos trabalhos desenvolvido nos abrigos, também auxiliamos outras organizações que atuam em Boa Vista no atendimento aos refugiados e tivemos a oportunidade de trabalhar durante as manhãs com a tradução de currículos. A maioria dos refugiados que atendi, tinha formação superior completa em cursos como Engenharia e Administração. Também, tinham ampla experiência no mercado de trabalho e mesmo assim, quando perguntados se estariam dispostos a trabalhar em qualquer função, a resposta era sempre positiva.

Leia também: Uma ameaça para todos (artigo de Simón Aliendres León, publicado em 30 de julho de 2018)

Leia também: Venezuelanos, lei migratória e hospitalidade (artigo de Thiago Assunção, publicado em 26 de fevereiro de 2018)

Foi uma semana intensa de trabalho e foi possível perceber a vulnerabilidade da população refugiada, principalmente daqueles que estão desabrigados e sem perspectiva alguma. Apesar de tanto a Acnur quanto o exército brasileiro organizarem a melhor estrutura possível e contarem com o apoio de diversas organizações com centenas de voluntários, ainda há muito o que fazer e o número de venezuelanos atravessando a fronteira não vai parar de crescer tão cedo.

Nerissa Krebs Farret é doutoranda em Filosofia pela PUCPR e trabalha com a questão de migrações forçadas desde 2014.
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