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Ao término da sessão em que se recebeu denúncia criminal contra os "mensaleiros", a presidente do STF, ministra Ellen Gracie Northfleet, enalteceu a agilidade da corte no trato de matéria criminal, apresentando dados quantitativos acerca do número de processos dessa natureza e da rapidez no seu trâmite. E o fez para defender o Tribunal de insinuações quanto à sua suposta lentidão no julgamento de ações penais. Essa fala inspira algumas reflexões sobre o papel do STF.

Quanto à propalada agilidade, se considerássemos apenas as 51 ações referidas pela ministra, não haveria, de fato, motivo para maiores reclamações. Mas o real problema está em outro lugar: o Supremo, avassalado por milhares de processos, pôs em segundo plano a sua função de guardião da Lei Maior; o tempo de seus ministros vem sendo cada vez mais absorvido pelo exame de matéria penal (não se trata, bem entendido, tão-somente de 51 ações, mas de milhares de "habeas corpus"). Enquanto isso, passam-se anos até que uma questão constitucional seja julgada. Alguns exemplos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) colhidos ao acaso: ADI 255 – 17 anos; ADI 541 – 16 anos; ADI 776 – 15 anos; ADI 1.648 – 10 anos. O que esse breve apanhado revela? Que processos de alcance geral e de suma importância têm-se arrastado na corte. Seria apressado, porém, julgar a eficácia do STF com base apenas nessa limitada amostra. Nesse sentido, um estudo mais pormenorizado do tempo médio para se julgar matéria constitucional seria muito bem-vindo. Mas interessa, aqui, diagnosticar as causas e apresentar ao debate algumas propostas concretas de solução.

Não é o caso de personalizar responsabilidades, buscar culpados; a questão é basicamente estrutural. A nosso ver, a causa maior do atual estado de coisas reside no excesso de competências atribuídas à corte. Além do controle da constitucionalidade, cabe-lhe processar e julgar: infrações penais envolvendo autoridades diversas (presidente da República, ministros, membros do Congresso); "habeas-corpus" contra ato de Tribunal Superior (e são milhares); mandados de segurança contra atos da Presidência da República e das Casas do Congresso; pedidos de extradição. Para se ter uma idéia, a prisão do juiz Nicolau dos Santos Neto (vulgo "Lalau") gerou no STF quase vinte processos, entre agravos, habeas-corpus, mandados de segurança etc. Enfim, gradativamente, o STF transformou-se em uma Corte Criminal que, de vez em quando, trata de matéria constitucional. E isso é lamentável, pois a função mais relevante da Corte acaba prejudicada por uma avalanche de processos que bem poderiam ser atribuídos a outro Tribunal Superior (o STJ).

Daí a demora do STF em dar resposta às questões constitucionais que lhe são apresentadas; e, conseqüentemente, a dificuldade em desfazer os efeitos de leis que, quando eventualmente tiverem sua inconstitucionalidade reconhecida, já vigoram há vários anos; ou, o que é pior, a resistência dos ministros em reconhecer a inconstitucionalidade, pelo efeito que isso traria às relações estabelecidas com base na norma inconstitucional (temor explorado pelo Fisco, com argumento "ad terrorem" dos "bilhões" a serem restituídos). Surgem, então, "fatos consumados" e outros artifícios como a modulação temporal dos efeitos das decisões (que é um "remendo" para a demora, com fumos de modernidade). A força normativa da Constituição é uma das vítimas desse estado de coisas; a segurança jurídica, outra. Perpetuam-se inconstitucionalidades. Perpetuam-se também liminares (quais seriam os efeitos de sua cassação?). Instala-se, enfim, a incerteza.

Diante disso, o ideal seria transformar o STF numa corte constitucional pura, com transferência de todas as demais atribuições ao STJ (que, também já assoberbado de processos, precisaria de um aumento no seu número de ministros). Ou, quando menos, caberia: reduzir a competência criminal do STF; estabelecer um prazo máximo para o exame de questões constitucionais; evitar-se o prolongamento do processo mediante sucessivos pedidos de vista. Com essas idéias, esperamos, pelo menos, provocar o necessário debate em torno da matéria.

Leonardo de Paola é advogado, doutor em Direito pela UFPR e professor da Unifae.

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