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Na GloboNews, Natuza Nery avaliou a posse de Edson Fachin como um momento em que o novo presidente do STF teria vindo “colocar a bola no chão”, sugerindo uma postura mais contida que a expansiva de Luís Roberto Barroso. A imagem é sedutora, mas enganosa. Não houve guinada ideológica. Houve apenas mudança de estilo. O STF continua impregnado pela mesma matriz: o neomarxismo, com o neoconstitucionalismo como veículo, e com Fachin atuando como um arquiteto silencioso dessa transformação.
O neomarxismo, diferentemente do marxismo clássico, não concentra sua luta apenas na economia ou na luta de classes. Inspirado pela Escola de Frankfurt, ele amplia a disputa para a cultura, a política e as instituições. Sua lógica é transformar o Estado em instrumento de emancipação social, redesenhando papéis tradicionais que tornaram o Ocidente grande, para atender a minorias e alcançar a chamada “justiça social”.
Não há novidade de fundo. Fachin compartilha com Barroso a mesma visão. Ambos veem o STF como ator político de vanguarda, impregnado pelo espírito revolucionário, pela lógica da democracia militante e pela teoria crítica
No Brasil, essa corrente encontrou no neoconstitucionalismo um veículo perfeito. O movimento jurídico que se afirmou por aqui após a Constituição de 1988, ao utilizar como motes a centralidade dos princípios e, em especial, ao tudo reputar como aplicação da dignidade da pessoa humana, abriu espaço para que juízes passassem a reinterpretar a Constituição segundo convicções pessoais – muitas vezes em detrimento do texto legal. Em vez de a Constituição limitar o poder, torna-se instrumento de criação política. Fachin encarna esse método, não julgando apenas com base na lei, mas segundo um projeto de “transformação social”.
Essa disposição aparece nitidamente em seu discurso de posse. Ao afirmar ser tempo de “realimentar os elementos fundantes da estrutura do Estado brasileiro” para reforçar a democracia, Fachin não propõe preservar, mas reconstruir. Ao exaltar a “dinâmica que enlaça tradição e movimento que projeta mudanças sem açodamentos”, confessa sua visão de que o Judiciário deve ser protagonista da mudança histórica. E ao destacar a Constituição de 1988 como “energia de esperança” para os despossuídos, atribui ao STF a função de canalizar essa esperança em ações que nem de longe lembram a mera interpretação e aplicação da norma. É o que Olavo de Carvalho chamava de espírito revolucionário: uma disposição permanente para transformar, relativizando a tradição e reconfigurando a sociedade sob a ideologia abraçada.
Fachin também assume o papel de guardião militante da ordem. Em sua fala, foi taxativo: “Não hesitaremos em fazer a travessia das verdades dos fatos às verdades da razão. E em momento algum titubearemos no controle de constitucionalidade de lei ou emenda que afronte a Constituição, os direitos fundamentais e a ordem democrática”. Essa promessa ecoa a tese da democracia militante de Karl Loewenstein: a ideia de que a democracia deve restringir liberdades individuais para se proteger – tese utilizada em profusão desde 2019, quando se instaurou o “Inquérito do Fim do Mundo”.
Fachin vai além: declara que o STF é o instrumento dessa defesa ativa, inclusive contra o Legislativo e o Executivo. Mais adiante, alerta que “devem os gestores e titulares de funções públicas em geral, de todos os poderes, resistir aos apelos de Circe, que mesmeriza e distorce o espírito republicano. A resposta à corrupção deve ser firme, constante e institucional”. Aqui, a metáfora literária reforça o tom militante: o tribunal como barreira moral contra corrupção, violência e populismo. É o STF assumindo não só a função de intérprete da Constituição, mas de defensor vigilante da ordem contra quaisquer riscos percebidos.
O discurso também respira teoria crítica. Fachin sustenta que é necessário compreender como “formas de desigualdade e discriminação não atuam isoladamente, mas se cruzam e se reforçam mutuamente”. Trata-se da linguagem da interseccionalidade, central nas correntes pós-frankfurtianas, que sustentam que desigualdades de raça, gênero e classe só podem ser compreendidas em conjunto. Além disso, promete defender “justiça ambiental, diversidade, paridade e alteridade” e fortalecer o diálogo entre o Judiciário e a academia.
Não são apenas declarações de boas intenções ou sinalizações de virtudes. São palavras-chave da agenda frankfurtiana aplicada ao direito, que transforma tribunais em motores de revolução cultural. O compromisso declarado com “transparência, diversidade, equidade, cooperação, valorização das pessoas, acessibilidade e inclusão” mostra que o discurso não se limitou a princípios. Ele anunciou um programa institucional. A teoria crítica, que começou como filosofia da dominação, aqui se converte em plano administrativo para moldar o STF como agente de transformação social.
Alguém poderia dizer, como a jornalista da GloboNews, que o novo presidente do STF é discreto e muito focado em seu papel de juiz. Mas a história do próprio ministro na Suprema Corte já mostra que sua presidência é mais uma etapa de sua trajetória. Fachin foi relator da ADPF das Favelas, impondo limites à atuação policial em comunidades e traduzindo em decisão judicial a lógica de justiça social que expande o poder do tribunal sobre políticas públicas. Reuniu-se com embaixadores estrangeiros em 2022 para falar sobre eleições – sem qualquer base constitucional para isso –, assumindo um papel político que cabe ao Executivo. E, sobretudo, foi o responsável pela anulação das condenações de Lula, não a partir de critérios objetivos da lei, mas de interpretações convenientes ao projeto de poder que o STF passou a sustentar. Esses gestos mostram que o novo presidente não atua apenas usando abstrações, mas mediante prática judicial concreta, guiada por um plano destruidor da tradição, que agora tem a própria agenda do Supremo ao seu dispor.
Não há novidade de fundo. Fachin compartilha com Barroso a mesma visão. Ambos veem o STF como ator político de vanguarda, impregnado pelo espírito revolucionário, pela lógica da democracia militante e pela teoria crítica. A diferença é o estilo. Enquanto Barroso preferia slogans e palcos, Fachin prefere o silêncio acadêmico e a discrição de quem faz mais do que fala. Mas o conteúdo é o mesmo: um Supremo que relativiza direitos naturais e amplia seu protagonismo político.
A posse de Fachin sinaliza um caminho previsível que aponta para a expansão de uma agenda socialista que relativiza pilares da ordem constitucional. O direito à vida pode ser colocado em xeque com a futura pauta da descriminalização do aborto que Barroso deixou em aberto; a liberdade, já pressionada, pode sofrer novos ataques até a extinção da expressão dos conservadores; e a propriedade, sempre relativizada, pode ter seu golpe fatal com a aprovação de um novo e inconstitucional marco temporal. O projeto parece claro: vida subordinada à “autonomia reprodutiva”, liberdade dissolvida em “discursos de ódio” definidos pelo próprio tribunal e propriedade sacrificada no altar da “função social”.
Enfim, não houve mudança de ideologia, apenas mudança de tom. E talvez seja justamente essa a maior ameaça. É que, quando a revolução veste toga, o perigo pode chegar em forma de anúncios públicos ou de silêncio solene.
Zizi Martins é vice-presidente da ANED, membro fundadora e diretora da Lexum, presidente do Instituto Solidez e membro do IBDR. Advogada com mestrado em Direito Público e especializações em Direito Administrativo e Religioso, doutora em Educação, pós-doutora em Política, Comportamento e Mídia. Consultora e pesquisadora em gestão pública e liderança.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



