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Apesar do estrondoso sucesso da produção cinematográfica Os Vingadores (produzido pela Marvel Studios e distribuído pela Walt Disney Pictures, já consagrado como quarta maior bilheteria da história do cinema mundial e maior bilheteira brasileira), o filme de Joss Whedon tem enfrentado duras críticas por causa de uma determinada cena. Durante uma reunião entre os heróis, em que a pauta é o comportamento do antagonista Loki, Thor, personagem que é um deus, defende Loki, seu irmão. A espiã Viúva Negra rebate, afirmando que o vilão é responsável pela morte de 80 pessoas, e Thor simplesmente responde "ele é filho adotivo" como justificativa dos atos do irmão.

No meio de um multicolorido de super-heróis com uniformes azuis, verdes, vermelhos e pretos, explosões, monstros alienígenas invadindo a Terra e efeitos especiais de última geração, todos com o fito de salvar o planeta, tal passagem se mostra de menor importância, mas não o é.

A propagação, ainda que em tom de brincadeira, de uma linha preconceituosa revive ranços de um passado aos moldes do sistema clássico patriarcal. Anteriormente, o foco da adoção era atender o patriarca. O filho adotivo estava a serviço da família que o adota e não tinha os mesmos direitos dos filhos naturais. Era um filho de segunda classe. Assim, a adoção era mais um negócio jurídico.

Hoje, após inúmeros tratados internacionais como a Declaração dos Direitos da Criança de 1924; a Declaração dos Direitos das Crianças proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1959; a Conferência Internacional de Haia em 1961; e, em âmbito interno, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei da Adoção, o Código Civil e o artigo 227, parágrafo 6.º da Constituição Federal, está vedada qualquer forma de designação discriminatória em relação à filiação.

Infelizmente, essa passagem do filme pode expressar uma mensagem real ou subliminar desfavorável a esse tema, tão sensível. Mesmo com a mudança de paradigma, situações como a do grupo de heróis indicam que o respeito ao princípio do melhor interesse da criança, ou reais vantagens à criança, ainda não é foco central de preocupações sociais. Afinal, mesmo que controvertida a interpretação dessa cena do filme, a conduta socialmente responsável é aquela que procura proteger e não discriminar as crianças.

Segundo Rolf Madaleno, "a adoção é, sem qualquer dúvida, o exemplo mais pungente da filiação socioafetiva, psicológica e espiritual, porque sustentada, eminentemente, nos vínculos estreitos e únicos de um profundo sentimento de afeição". Ou ainda, como define Rodrigo da Cunha Pereira, todo filho é adotivo, pois a filiação é algo que se constrói, não é um dado da natureza. Assim, após se gerar a criança, caso esse laço não se desenvolva não há propriamente a constituição da filiação. Portanto, todos somos filhos adotados pelo amor de nossos pais, e precisamos ter esse sentimento fomentado, respeitado e preservado.

Ana Carla Harmatiuk Matos, advogada, é professora do programa de mestrado em Direito das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) e de Direito Civil da UFPR.

Eduardo Augusto Vieira Walger, ator, é bacharel em Artes Cênicas e artista pesquisador.

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