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Como se sabe, boa parte dos trabalhadores das universidades e institutos de ensino técnico federais estão em greve. A greve dos professores, aos quais se uniram os técnicos administrativos, já dura mais de um mês e mobiliza quase 50 universidades federais e 40 institutos federais de ensino. Em síntese, a pauta do movimento diz respeito a vencimentos (os professores, com doutorado e dedicação exclusiva, ganham muito menos que outros servidores públicos federais com qualificação equivalente ou inferior); ao plano de carreira e às condições de trabalho (há universidades em que as aulas são naqueles baús de aço chamados contêineres; há cursos de medicina sem hospitais etc.).

A greve é o expediente último em negociações de trabalho. Não é esporte ou devaneio. Dá-se no momento em que a força das representações dos trabalhadores se esgota e eles são colocados em um ponto de não retorno: ou capitulam e se submetem às premissas do empregador ou decretam a greve. É muito difícil que alguém se sinta confortável numa greve – muito embora seja direito subjetivo do trabalhador, assegurado na Constituição e já reconhecido pelo STF como igualmente titularizado pelos servidores públicos. Mas é algo que se aproxima do contrato de seguro ou da poupança de uma família: existe para, preferencialmente, nunca ser usado. A decisão de entrar em greve é custosa e individual: a ela equivale o direito subjetivo de o trabalhador não aderir e permanecer trabalhando. Ambas as decisões ostentam dignidade da mesma dimensão e merecem ser reciprocamente respeitadas.

Em 18 de junho, o governo cancelou a reunião que se daria com os representantes sindicais dos professores, originalmente prevista para o dia 19. O cancelamento teve um grande impacto, mas algo mais aconteceu naquele dia 18 e que não pode passar desapercebido. Até então, uma das coisas mais curiosas da postura do governo era o fato de o Planalto ter atribuído ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – e não ao da Educação – a negociação com os grevistas; logo, pode parecer que o que importa é o orçamento e não a educação.

Por ironia da sorte ou mero desprezo, no mesmo dia em que cancelou a reunião com os grevistas, o governo federal editou a Lei n.º 12.668, promulgada pelo vice-presidente da República e pelo ministro da Educação. Fosse publicada em outro dia, seria apenas mais uma lei com data comemorativa – a confirmar que o Legislativo gasta dinheiro à toa (o custo dos assessores, redação, papel, deliberações, votações, Diário Oficial para criar um apanhado de comemorações forçadas). Mas fato é que essa lei não cria só mais um dia nacional festivo: desta vez é o "Dia Nacional do Piso Salarial dos Professores, a ser celebrado, anualmente, em 23 de março" (art. 1.º).

O mesmo governo que nomeia o Ministério do Plane­­ja­­mento, Orçamento e Gestão para negociar a greve dos professores e cancela audiências é aquele que, desta vez pelas mãos do vice-presidente e do ministro da Educação, pretende que a nação brasileira celebre o Dia do Piso Salarial do Professor por força de lei promulgada durante a greve nacional dos professores. Seria apenas irônico, não fosse a trágica constatação de que no Brasil só se comemora o piso salarial dos professores em um dos 365 dias do ano – e, ainda assim, devido à obrigação legal. Antes não houvesse essa lei.

Egon Bockmann Moreira, advogado, é doutor em Direito, professor da Faculdade de Direito da UFPR e professor visitante nas Universidades de Coimbra e de Lisboa (Portugal) e nas Universidades de Nankai e JiLin (China).

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