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A decisão da Comissão de Ética do governo federal de mandar pagar quatro meses de salário de ministro a Antonio Palocci é de um surrealismo puro, irrestrito e insuperável. O argumento de que o ex-ministro teria direito a receber a prebenda por ter cumprido a "quarentena" imposta aos servidores públicos de destaque que deixam o governo é risível.

Explicando ao desavisado leitor: essa quarentena é um período de quatro meses durante o qual alguém que deixa um cargo público que lhe permitiu acesso a informações e contatos fica impedido de trabalhar em atividades privadas em que possa utilizá-los livremente. Isso não significa que alguém que deixa uma função pública está condenado a passar fome durante quatro meses sem poder trabalhar; a única coisa que não pode é exercer uma função que lhe permita utilizar em seu proveito as informações e contatos a que teve acesso em função de seu antigo cargo. Um completo bizantinismo, como se esses rituais evitassem o compartilhamento de informações privilegiadas quando alguém quer fazê-lo; o Brasil está cheio de "consultores" que são especializados nisso.

O caso de Palocci supera o terreno do bizantino e ingressa de cabeça no reino do surreal: o ex-ministro deixou o cargo exatamente porque, quando se preparava para assumir de novo uma das funções-chave da República, a chefia da Casa Civil, descobriu-se que prestava serviços de consultoria tão exclusivos e tão secretos que lhe renderam milhões de reais em honorários sem que tivesse uma equipe de trabalho nem fosse exatamente de sua área de expertise profissional. Inquirido insistentemente e pressionado pela imprensa, recusou-se terminantemente a dizer quem o contratava nem o que exatamente fazia para receber os honorários gigantescos que cobrava.

Qualquer consultor que não tenha o que esconder divulga o nome de seus clientes ilustres e o tipo de serviço que lhes presta até para comprovar seu prestígio e capacidade; Palocci foi diferente e se escudou em um ridículo "sigilo profissional", alimentando as suspeitas de que havia algo de muito exclusivo e secreto na "consultoria" que desenvolvia. Forçado pela opinião pública, acabou deixando a Casa Civil.

Agora vem a Comissão de Ética e manda pagar a ele quatro meses de salário de ministro... porque deixou o ministério. Em outras palavras, perplexo leitor: a nação descobre que um de seus servidores mais ilustres esteve envolvido em atividades tão polêmicas que, quando descobertas, levaram-no a ser defenestrado. E agora a mesma nação paga quatro meses de salário à mesma pessoa para compensar o seu afastamento? O Brasil definitivamente não é para amadores, como já disse alguém.

Essa área nebulosa das "consultorias" prestadas por pessoas que transitaram e transitam (vide José Dirceu) com desenvoltura nos círculos mais íntimos do poder necessita receber uma atenção mais aprofundada. Não é admissível que existam zonas de segredo suspeito intocadas até hoje em um país no qual, por exemplo, todo cidadão é obrigado a explicar em detalhes à Receita Federal os rendimentos que teve e quem os pagou.

Já usei essa mesma anedota várias vezes aqui mesmo para definir situações surrealistas, mas sou obrigado a fazê-lo de novo: o caso de Palocci lembra o de um sujeito que matou o pai e a mãe, e pediu clemência ao juiz por ser órfão. Só que na vida real, a Comissão assumiu a curatela temporária do pobrezinho à custa do meu, do seu, do nosso...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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