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No Rio de Janeiro, para poderem se reunir no plenário da Câmara, os vereadores tiveram de pedir permissão aos jovens manifestantes. Em frente de um hotel, manifestantes hostilizaram a solenidade de casamento na elite rica. Em São Paulo, um grupo de manifestantes tentou invadir um sofisticado hospital que atende políticos. Estes fatos, realizados por algumas dezenas de manifestantes, indicam mais a gravidade do momento atual que as manifestações com milhares de pessoas no mês de junho. Mas parece que nada disso bastou como alerta.

Os sustos despertam, mas nem sempre alertam. A reação das direções políticas diante das manifestações de junho foi como se uma pessoa caminhando em direção a um abismo ouvisse um grito, se assustasse e continuasse no mesmo rumo, sem perceber que era um alerta. No primeiro momento, o governo propôs pactos confusos e sobre temas superficiais; o Congresso Nacional se reuniu para uma chamada agenda positiva, em que alguns poucos projetos são debatidos e aprovados sem qualquer consequência maior para recuperar o pacto social que está rompido. As manifestações se retraem, como se tivessem sido apenas um grito de cuidado que assustou, mas não alertou. É como se, por omissão, insensibilidade, perplexidade ou impossibilidade de mudar o caminho, todos continuassem a mesma marcha em direção a um abismo.

As grandes manifestações com pauta variada foram substituídas por manifestações pequenas com propósitos bem específicos. No Rio, contra o governador ou o prefeito ou vereadores de uma CPI; no Recife, contra o Ibama, por causa da morte de um papagaio em sua custódia. Como as manifestações são específicas e contra alvos determinados, os demais políticos não as consideram e voltam à lenta passividade do dia a dia, a das eleições. Como se elas fossem apenas contra o governador do Rio e não contra tudo o que ele simboliza como imagem de todos os políticos.

Não estão percebendo dois fenômenos que irão muito além de junho, com objetivos muito além dos que atualmente provocam os movimentos pequenos: o fato de que houve uma ruptura no pacto social que mantém o funcionamento da sociedade brasileira; e o uso da internet na realização de uma guerrilha cibernética.

Até agora, a sociedade funcionou bem, apesar do quase colapso da segurança e do trânsito, e do tamanho da desigualdade, sobretudo nos serviços de saúde. O grau de desigualdade e de ineficiência fez cair a ficha, especialmente contra políticos que, além de vistos como culpados, são vistos como privilegiados e corruptos. Sem diferenciação entre cada um deles ou seus partidos.

Esta queda da ficha, que no passado chamaríamos de "tomada de consciência", pois vinha acompanhada de alternativas, acontece simultaneamente à percepção do poder de mobilização oferecido pelas redes sociais.

O resultado é um futuro imprevisível. A partir de agora, qualquer pretexto levará a manifestações de poucas centenas de pessoas, ou mesmo apenas dezenas, mas capazes de parar o funcionamento do tecido social e seus serviços. A tudo isso, junte-se os grupos de manifestantes desiludidos que paralisam aeroportos, portos, repartições públicas; e os desesperados e os vândalos que aproveitarão para provocar destruição de patrimônio.

Mais que um susto, as lideranças precisam sentir o alerta e buscar novos caminhos que reconstituam o pacto social, em um novo patamar de quebra de privilégios e quebra da desigualdade.

Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT-DF.

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