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Tagliaferro x Moraes: quando a Justiça precisa se submeter à legalidade

Ex-assessor de Moraes acredita que ministro seria responsável por vazamentos envolvendo Bolsonaro e aliados.
Ex-assessor de Moraes acredita que ministro seria responsável por vazamentos envolvendo Bolsonaro e aliados. (Foto: Reprodução/Instagram Eduardo Tagliaferro)

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A Comissão de Segurança Pública do Senado ouviu o ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, Eduardo Tagliaferro. Ao final da sessão, a comissão deliberou encaminhar ao presidente do STF um relatório com as denúncias apresentadas por Tagliaferro e pediu que ele avalie suspender o julgamento da AP 2668 até a apuração dos fatos; o material também seguirá a TSE, CNJ, CNMP e OAB.

O eixo das acusações é grave: segundo Tagliaferro, houve fraude processual na operação de busca e apreensão contra empresários em agosto de 2022. A ordem teria sido baseada numa reportagem e só depois – já com a diligência cumprida – teria sido produzido um relatório para retroagir a fundamentação. Ele afirma ter apresentado minutas e arquivos que sustentariam a narrativa. O gabinete de Moraes, à época, respondeu que os pedidos e relatórios se inseriam nos inquéritos das “milícias digitais/fake news” e eram remetidos à PF com ciência da PGR.

Democracia não combina com dúvida razoável sobre a motivação de decisões que limitam liberdade e patrimônio. Investigar agora – com método, publicidade e contraditório – evita anular amanhã

Tagliaferro também descreveu uma articulação informal entre estruturas do Judiciário e parceiros externos para emissão de relatórios e sinalizações sobre perfis e conteúdos nas redes, o que, se confirmado, indica contaminação de cadeia de custódia e de motivação de medidas judiciais. Reportagens anteriores apontam pedidos de parceiros acadêmicos e de checagem (UFRJ, UFMG e Lupa) ao TSE nesse ambiente de cooperação – um arranjo que precisa ser esclarecido formalmente para não parecer atalho para ordens sem lastro probatório típico.

Em tom de contraponto – e isto também importa para a prudência institucional – Tagliaferro é investigado e denunciado pela PGR por violação de sigilo e outros crimes, nega as acusações, vive na Itália e há pedido de extradição do governo brasileiro. Ele diz ter “o maior prazer” em realizar acareação com o ministro Alexandre de Moraes. Esses elementos reforçam que estamos diante de alegações ainda não submetidas a contraditório e prova plena.

Diante do quadro, a pergunta jurídica não é “quem tem razão por antecipação”, mas como preservar a integridade do processo que já está em curso no STF. A fundamentação ex post, se confirmada, fere o devido processo (motivação prévia e suficiente) e pode inutilizar provas por derivação. A solução técnica é auditoria de atos e controle de origem/tempo de documentos citados por Tagliaferro. A cooperação com universidades/checadores só é legítima se formalizada, com registro, escopo, método e controle; do contrário, abre-se brecha para viés e para “provas emprestadas” sem crivo pericial.

Quando a mesma autoridade ordena, gere apurações e julga temas conexos, cresce a aparência de parcialidade. O remédio, em direito comparado, é transparência máxima e, se necessário, suspensão cautelar limitada para verificação – a própria comissão do Senado solicitou que o STF avalie medida assim.

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O início da AP 2668 foi marcado pelo discurso de que houve ampla defesa, contraditório e respeito ao rito; por outro lado, a acusação sustenta um “processo criminoso em curso” que culminaria em 8/1. Se a base investigatória que abastece peças e decisões tiver vícios materiais ou cronológicos, o risco é de nulidade futura – com dano institucional mais profundo do que qualquer resultado de curto prazo.

O que defendo, como parlamentar, diante das acusações de Tagliaferro, é simples e republicano, é abrir a caixa-preta das decisões – linha do tempo documental, autores, pareceres, registros de protocolo; realizar a oitiva formal das pessoas citadas e acareação quando necessário; reafirmar do juiz natural e do controle recíproco entre órgãos.

Sem revanchismo e sem paralisia, se houver indício consistente, adote-se suspensão cautelar estritamente delimitada; se não houver, siga-se o julgamento com a autoridade reforçada pela transparência. Não se trata de “defender réus”, mas de blindar a credibilidade da Justiça. Democracia não combina com dúvida razoável sobre a motivação de decisões que limitam liberdade e patrimônio. Investigar agora – com método, publicidade e contraditório – evita anular amanhã. É assim que se protege a Constituição e o país.

Luiz Ovando, médico, é deputado federal pelo PP-MS.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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