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Eis que estava assistindo ao programa eleitoral paulista quando aparece o Tiririca pedindo votos e declamando: "Vote em Tiririca, pior que está não fica". Engano, meu caro Tiririca: diz a Quarta Lei de Murphy (menos conhecida do que suas três irmãs famosas) que nada vai tão mal que não possa piorar ainda mais.

Tiririca é o Cacareco e o Macaco Tião do Século 21. Relembrando: em 1958, 100 mil paulistanos elegeram como vereador mais votado o rinoceronte do zoo Cacareco; já os cariocas consagraram o Macaco Tião nas urnas em 1996 com cerca de 400 mil votos. Agora, vamos ver quantos votos terá o Tiririca.

Cacareco e Macaco Tião e, tudo indica, o Tiririca, demonstram bem o infantilismo e o artificialismo de que padece nosso processo político, que oscila entre o desinteresse puro e simples dos eleitores até o voto debochado, ou seja, à renúncia deliberada do eleitor de exercer seu direito de influir nos destinos do Estado, que é a verdadeira interpretação do termo "cidadania". A votação que Tiririca tiver servirá para mostrar se aprendemos alguma coisa em matéria de cidadania no último meio século ou se continuamos politicamente infantis como éramos.

Mas o eleitor comum não é o único nem o maior culpado no surgimento dos Tiriricas e Cacarecos. A grande culpa recai nas instituições políticas do país que transformaram a população em meros figurantes do processo democrático. Começa-se pelo voto proporcional, em que o eleitor vota no Juca e elege o Manduca; foi assim que Enéas angariou 1,6 milhão de votos para deputado federal e elegeu sozinho mais cinco de seu partido, o último deles com ridículos 275 votos enquanto que candidatos com 200 mil votos de outros partidos deixaram de ser eleitos por força do sistema proporcional.

Em segundo lugar, vem o artificialismo da vida partidária. Você tem ideia, paciente leitor, de quantos partidos políticos existem no país? Vinte e cinco estão legalizados e outros vinte e cinco em processo de legalização; entre esses últimos, um enigmático Movimento Negação da Negação. Outros oito ou dez funcionam sem qualquer registro legal. Os programas partidários se parecem uns com os outros e em alguns casos são plenamente intercambiáveis. Na grande maioria dos casos, os partidos só existem na hora das eleições para servir como legenda de aluguel.

De certa maneira, essa desorganização política das bases da sociedade nada mais é do que o reflexo tardio da nossa formação nacional que se deu de cima para baixo, imposta pelos colonizadores e depois pelas elites dirigentes. Outros países se organizaram de baixo para cima, começando pelos níveis locais em que a participação direta da população era intensa e só depois, passando a organizar os estados e, por último, a federação ou União nacional. Antes de existirem os Estados Unidos da América, existiram os treze estados fundadores e antes deles as comunidades locais de imigrantes peregrinos da Costa Leste. A Alemanha só passou a existir como ente político único depois que Bismarck, a ferro e fogo, anexou à Prússia várias regiões que antes eram autônomas ou pertenciam à Dinamarca e à Áustria. E a Itália, como país uno, é uma construção política e militar do meio do século 19, em que Camillo di Cavour e Garibaldi se empenharam para unificar os reinos regionais da península num só Estado.

Enquanto isso, aqui entre nós, o Estado chegou antes da nação, como observava Guerreiro Ramos. Antes que as pessoas construíssem uma nação, aquilo que o filósofo Renan definiu como "uma alma, um princípio mental (...) que pressupõe um passado, mas o passado é resumido em um fato tangível, o compromisso, o desejo de continuar a viver em comum", o Estado já estava presente dando ordens, impondo normas, exigindo obediência. À população restava e restou obedecer, esquecer a atividade política e tocar a vida pra frente .

Mas há uma diferença entre os "candidatos": Cacareco e Macaco Tião eram simples alegorias. Já Tiririca é um cidadão em pleno gozo de seus direitos políticos que, dependendo da infantilidade política dos eleitores, poderá tomar posse daqui a um par de meses.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR

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