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Até agora, só catástrofes. Inundações e deslizamentos começaram ainda em dezembro de 2009 e completaram o primeiro quadrimestre do novo ano praticamente sem interrupção. Nos intervalos, dois tremendos terremotos: um no Haiti – talvez o maior da história moderna –, outro no Chile.

Para o comum dos mortais, o convívio forçado com as fatalidades desperta alguma solidariedade. A sociedade do espetáculo também sabe explorar a dor – em doses homeopáticas. Em excesso cansa, produz rejeição.

Diante da telinha da tevê – vitrine da vida – as pessoas se comovem com a morte dos semelhantes, principalmente de jovens, crianças e às vezes de famílias inteiras. Em letras de forma, ficam estarrecidos diante dos números. Até permitem-se chorar. Mas a sensação de que à volta está tudo bem e tudo no seu lugar é mais forte. Imbatível.

Há grupos humanos mais vulneráveis ao sentimento trágico, outros se protegem com blindagens, despistes e estratagemas existenciais. Com medo de ter medo, assustados com a possibilidade de sofrer ou mesmo incomodar-se, preferem refugiar-se na convicção de que a vida é uma festa. Não sabem lidar com as noções de insegurança e imprevisibilidade, nem com a percepção de que tudo é mutável, imponderável.

Em sociedades como a nossa a função pública converte-se quase obrigatoriamente num exercício contínuo de celebrações. O escolhido pelos deuses – não importa o nível nem o sistema que o premiou – sente-se no dever de empunhar a batuta para reger uma comemoração contínua aos seus triunfos. Nos intervalos, faz reuniões, cria grupos de trabalho, ouve pareceres simpáticos, negocia apoios e assina decretos para obras destinadas a materializar as utopias pessoais.

Jorge Roberto Silveira, atual prefeito de Niterói, é um alcaide privilegiado. Está no seu terceiro mandato e ostenta uma árvore genealógica invejável: o tio, Badger Silveira, foi governador do antigo estado do Rio de Janeiro tal como o seu pai, o carismático Roberto Silveira que morreu em 1961 na queda de um helicóptero justamente quando inspecionava os estragos causados por uma inundação no norte fluminense.

Graças ao prefeito Jorge Roberto, Niterói tem o terceiro melhor IDH do país, seu sistema de saúde pública é inovador, as reformas urbanísticas e arquitetônicas que implantou com a ajuda do amigo Oscar Niemayer, sobretudo na orla marítima, tiraram da cidade a pecha de que o melhor dela era a vista para o Rio, no outro lado da Baía de Guanabara.

E, no entanto, este competentíssimo e decentíssimo Jorge Roberto Silveira não deu atenção ao estudo que ele próprio encomendou em 2002 sobre o morro do Bumba onde 200 casas foram construídas em cima de um antigo lixão e agora esfarelaram-se encosta abaixo.

Não se empolgue com as façanhas, preocupe-se com a fatalidade na primeira esquina – o conselho vale para astros e estrelas, líderes empresariais, políticos, esportivos mas vale, sobretudo, num sistema onde não há lugar para a prevenção nem ouvidos para alarmes.

A noção de que a República é uma festa e, por isso, é preciso dedicar-se continuamente à fabricação e inauguração de totens espetaculares tem muito a ver com a nossa aversão à tragédia. Não lemos Miguel de Unamuno, detestamos os pessimistas, temos horror ao ceticismo e às críticas. Como todos os ibéricos, somos quiméricos, quixotescos, mas recusamos encarar as sombras do dia seguinte, a realidade das tristes figuras.

Quando o ex-ministro e agora candidato a governador, Geddel Vieira Lima, reserva para a Bahia, 48% da verba do Programa de Prevenção e Preparação de Desastres não está sendo apenas insensível, desumano, perverso. Está cometendo um delito e se assumindo como homem público irresponsável. Confiante na impunidade, certo da sua infalibilidade, exibe as distorções mentais e morais daqueles que não se importam com tragédias. É um dos protagonistas típicos da nossa tragicomédia.

Alberto Dines é jornalista

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