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| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Grandes alterações legislativas, em geral, não produzem efeitos imediatos. No caso da reforma trabalhista, tivemos, em 2017, um processo de transformação que somente será implementado a partir das iniciativas de empregadores, empregados e sindicatos; deste jogo a três, às vezes a dois, poderá ser construído não um novo Direito do Trabalho, mas, certamente, um Direito do Trabalho ajustado à realidade, seguro e fundado na boa fé.

Em 2017 plantaram-se as transformações dos modelos contratuais, novas responsabilidades aos sindicatos e limitações para o Judiciário trabalhista. As discussões vistas a todo canto, com as diversas interpretações, conservadoras ou não, chegaram a convergir em diversos pontos, concluindo que nem tudo é bom e nem tudo é ruim. Cada um se serviu das leis 13.429/17 (a da terceirização) e 13.467/17 (a da reforma) como quis, segundo seus princípios ideológicos, valorizados pelo momento político do país.

Na terceirização regulamentada foram dirimidas algumas dúvidas sobre: o risco da relação jurídica da tomadora, sempre subsidiária e mantida a orientação jurisprudencial do TST; o conteúdo da relação jurídica, que mantém a mesma orientação da Súmula 331 quanto ao impedimento da marchand age; e os direitos atribuídos aos empregados da empresa prestadora de serviços em choque frontal com o modelo de organização sindical que, naquele momento, ainda disputava o reconhecimento de categorias profissionais para aumentar a arrecadação sindical.

Saímos do modelo tradicional de proteção do Estado para privilegiar a relação contratual e a boa fé

Na chamada reforma, há, incontestavelmente, uma mudança substancial na forma protecionista de pensar: saímos do modelo tradicional de proteção do Estado para privilegiar a relação contratual e a boa fé. E isso vale para as relações individuais, quando o empregado receber salário superior ao dobro do teto do benefício da Previdência Social, e para as relações coletivas em que deverá prevalecer a autonomia privada coletiva, responsabilizando o sindicato, portador exclusivo dessa manifestação da vontade coletiva.

Portanto, no plano individual, empregados e empregadores, a partir de determinadas condições, poderão rever seus contratos de trabalho e criar um novo relacionamento, menos atrelado a vícios e com maior integração na vida das empresas. A liberdade de contratar poderá ser utilizada como forma de efetiva preservação do emprego.

O tratamento dispensado pela legislação consolidada para a proteção de direitos dos trabalhadores submetidos à condição de empregado sempre foi e continuará sendo a dos artigos 9.º, 444 e 468 da CLT, e que exprimem uma liberdade contratual contida sob pena de nulidade, elevada que está a legislação trabalhista e a proteção do trabalho ao nível de interesse e ordem públicos.

Nossas convicções:Livre iniciativa

O novo pensamento e a transformação no Direito do Trabalho é do que trata o disposto pelo artigo 8.º da CLT, que recebeu parágrafos essenciais para a alteração na interpretação prevista no caput: restringe o direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho, excluindo a incompatibilidade com os seus princípios fundamentais; fixa parâmetros para a jurisprudência do TST e TRTs; e impõe a observância do disposto pelo artigo 104 do Código Civil, privilegiando a autonomia da vontade coletiva, aqui, portanto, responsabilizando a atuação sindical.

No plano das relações coletivas, os sindicatos se movimentarão para a continuidade de arrecadação das contribuições sindicais, agora não mais obrigatórias e sem nenhum respaldo jurídico que possa impor a não associados de sindicatos a obrigação de contribuir. A mudança atinge sindicatos de empregadores e de empregados. Muitos, de ambos os lados, flagrados pela realidade de pouca receita em razão da baixa representatividade, deixarão de existir. Categorias – se é que serão mantidas – serão aglutinadas a outras. As negociações coletivas, especialmente para empregadores de alguns setores econômicos, serão mais eficazes no âmbito das empresas.

Leia também: Os efeitos da reforma trabalhista (artigo de Antonio Vendrame, publicado em 13 de novembro de 2017)

Leia também:O verdadeiro viés da reforma trabalhista (artigo de Marlos Melek, publicado em 11 de junho de 2017)

O que se viu em 2017 foi uma inquietação de sindicatos tradicionais em razão das dificuldades econômicas que enfrentarão para pagar suas contas, fato este que levou alguns sindicatos à dispensa coletiva de trabalhadores e organização de planos de demissão voluntária. A ausência da contribuição sindical compulsória exclui de vez com a inconstitucionalidade do chamado controle da unicidade sindical atribuído por interesses de velhos sindicatos, antigos detentores de feudos de representação, ao Ministério do Trabalho e Emprego. Todos são livres para formar sindicatos e, se representativos, adquirirão o direito de negociar porque estarão legitimados pelo grupo que representa. A pluralidade sindical poderá ser o caminho de reconstrução dos sindicatos.

O Judiciário trabalhista recebeu do legislador o reconhecimento do resultado do trabalho de anos diante de uma legislação que permitia abusos na sua prática e que deixava um vazio enorme para que a casuística se transformasse logo em súmulas e direitos adquiridos, travando a evolução das relações trabalhistas. A Justiça do Trabalho funcionava (e vai continuar assim) como o último reduto da aplicação da proteção trabalhista reparadora.

Os processos trabalhistas manifestaram uma tendência de queda em razão da ausência de gratuidade e da sucumbência da nova lei. Talvez retomem os ajuizamentos de ação para a reparação de eventuais prejuízos, concretos e definidos, mais refinados e com maior valorização do processo e da Justiça do Trabalho. De fato, a porteira de entrada de ações inconsistentes está mais estreita e, com a arbitragem e a solução extrajudicial, os processos trabalhistas tenderão a representar o limite de uma negociação prévia frustrada.

Os próximos tempos serão de acomodação das novas disposições legais e todos deverão, com responsabilidade, ter o cuidado de evoluir sem saudosismo do passado tão criticado ao seu tempo.

Paulo Sergio João, advogado, é professor de Direito Trabalhista da FGV, PUC-SP e Facamp.
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