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Detalhe de A Adoração dos Pastores, de Georges de la Tour.
Detalhe de A Adoração dos Pastores, de Georges de la Tour.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Sinceramente? Não gostaria de escrever este texto. Mas não me entenda mal! Não fui coagido a fazê-lo e nem me sinto desconfortável em relação ao tema. É o contexto no qual e para o qual está sendo escrito.

É diante da marca de quase 200 mil mortos devido à Covid-19 – que, aliás, não é um número abstrato, mas são homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, professores e professoras, pai, mãe, o seu José, a dona Maria, pessoas que até mesmo faziam parte de nossas famílias, do nosso trabalho ou da roda de amigos – que eu quero refletir sobre o Natal de 2020.

Acredito que você, assim como eu, nunca passou por uma experiência tão difícil e restritiva como esta que vivemos. Temos sido esmagados de dois lados – de uma parte, pelo medo real e evidente de um vírus de alto contágio; por outro lado, pelas necessidades de socialização, de afeto, de proximidade física com nossos semelhantes. Temos tentado lidar com ambas as realidades a duras penas. A tristeza, a desesperança e o medo estão ditando o ritmo do dia a dia.

Enxergo a manifestação do verdadeiro Amor, em meio a este tempo de escuridão, como o sinal de que ainda há lugar para esperança

Mas então eu me lembro de uma passagem bíblica que me reanima – “o perfeito amor lança fora todo o temor”, da Primeira Carta de João 4 ,18.

Como cristão – e é este o meu lugar de fala neste momento –, enxergo a manifestação do verdadeiro Amor, em meio a este tempo de escuridão, como o sinal de que ainda há lugar para esperança. O Natal é a experiência, todo ano renovada, de que é possível acreditar no Amor, de que é possível ter Esperança, ainda que seja por meio de uma pequena Fé em um menino, nascido entre os animais, em um vilarejo da insignificante Belém de 2 mil anos atrás.

De fato, o texto bíblico apresenta um acontecimento, de certa forma, desprezível. Uma mulher grávida realiza uma viagem arriscada, com seu marido, em direção a Belém, para cumprir o decreto do imperador que estabelecia o recenseamento da população romana. Aliás, uma mulher que se achou grávida pelo poder de Deus – escândalo para os familiares, amigos e vizinhos! Foi necessário que José assumisse a paternidade da criança para que essa jovem grávida não sofresse a condenação pelo seu “crime”.

Uma pequena família, que não tinha outra riqueza a não ser um ao outro. Encontram em Belém apenas portas fechadas, nenhuma acolhida. O local de nascimento não é opção, é a única possibilidade – um pequeno estábulo, uma gruta. Tendo por testemunhas os animais e a noite estrelada, Maria deu à luz.

A sequência narrativa também não é muito promissora. Diante da ameaça da matança ordenada por Herodes – que manifestou medo da pessoa de Jesus –, a pequena família é obrigada a migrar para o Egito e lá habitar por um tempo.

O primeiro Natal foi um nascimento em meio ao sofrimento, à precariedade, à incompreensão dos parentes e dos amigos, à migração. Um acontecimento que teria repercussões para toda a humanidade, de todos os tempos, mas que obrigou um homem, uma mulher e uma pequena criança a se sujeitarem à lei do Império, à condição humilde que viviam e à violência dos poderosos.

O Menino Jesus nasceu! Ainda resta uma esperança! A vida vencerá! A morte e a alegria retornarão! Deus olhou, com bondade, mais uma vez para o seu povo!

O primeiro Natal foi um nascimento em meio ao sofrimento, à precariedade, à incompreensão dos parentes e dos amigos, à migração

Eu e minha família queremos celebrar este Natal olhando para essa cena primordial. “Um pouco de luz afasta uma grande escuridão”, disse o Rabi Shneur Zalman, fundador do Chassidismo Chabad. Lembro, ainda, da frase de Confúcio: “é melhor acender uma pequenina vela que maldizer a escuridão”. E ainda outra, de Martin Luther King: “A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso”. É a respeito desta pequena chama, desta tênue esperança, que se trata o Natal.

Ah, sim, as comemorações e as festas, não é? Bem, em relação às questões práticas, sanitárias e de cuidados, confio nas orientações dos órgãos competentes e dos profissionais que tanto têm se desgastado neste período pandêmico. Aconselho, certamente, a leitura da cartilha elaborada pela Fiocruz.

Mas este texto é sobre o Natal – o nascimento de Jesus. E, por isso, quero desejar a você o presente mais precioso para este ano: a esperança! Uma pequena, mas firme, esperança.

Permita-me terminar com uma frase do judaísmo, recordando o tempo de escravidão vivida pelos hebreus no Egito, perfeita para este tempo e que sempre me chamou a atenção: “Passamos pelo Faraó, passaremos por isto também!” Feliz Natal!

Robert Rautmann é teólogo e cientista da religião.

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