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Símbolo da luta contra os déspotas, totem da democracia moderna, vetor da luta dos colonos americanos contra a Coroa inglesa, o conceito "no taxation without representation" deveria ser relembrado agora quando se discute a prorrogação da CPFM. Não para vetá-la ou aprová-la, simplesmente para dar consistência e grandeza a um novo debate político que se desperdiça através de birras e quizílias partidárias.

Atribui-se a James Otis, de Boston, senão a autoria pelo menos a popularização do grito de guerra dos habitantes das treze colônias mantidas pela Inglaterra na América do Norte. O detonador foi o Stamp Act de 1765, a Lei do Selo que tributava todos os produtos vendidos nas colônias, inclusive gazetas e periódicos. Os americanos rebelaram-se contra uma imposição que feria os seus direitos, não aceitaram a "representação virtual" oferecida por George III, queriam ser representados efetivamente no Parlamento. Nove anos depois, em 4 de julho 1774, as lideranças políticas e militares declararam a independência efetivada dois anos depois.

A CPMF e o seu antecessor, o IPMF, são legais. Impostos que não foram impostos, mas aprovados pelo Congresso (1993) assim como as sucessivas alterações na alíquota (de 0.20%, para 0.38%, para 0.30% e novamente para 0.38%). A sua prorrogação está sendo discutida numa Comissão Especial da Câmara dos Deputados, está superada a velha questão taxação = presentação.

O problema com a CPMF é que a sua continuação está sendo discutida de forma leviana, oportunista. Sem o perceber estamos de volta à "representação virtual" proposta pela Coroa inglesa há 242 anos já que aqueles que deveriam cuidar dos interesses do contribuinte cuidam apenas dos interesses dos seus grupos políticos, isto é, da sua sobrevivência imediata.

Não se pode simplesmente acabar ou continuar um tributo injusto que arrecada 1.6% do PIB sem iniciar a tão prometida e sempre adiada reforma tributária. O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, propõe um cronograma que extinguiria a CPFM em sete anos, o que permitiria atenuar progressivamente os efeitos de um catastrófico rombo na receita.

É uma opção sensata porque traz para a nossa agenda política uma ferramenta raramente utilizada: a visão de longo prazo. Amarrados ao imediatismo dos palanques e às pressões do calendário eleitoral os representantes do povo não conseguem perceber os males do casuísmo que, em última análise, é o anjo exterminador do legislador de grandes apetites pessoais e fôlego curto em matéria de interesse público.

Por mais penosa que seja a carga tributária colocada nas costas do contribuinte não se pode decidir o destino da CPFM sem iniciar uma progressiva revisão do sistema tributário. É evidente que isto pressupõe uma rediscussão do pacto federativo que, por sua vez, exigirá uma reforma política.

E daí? Por que este medo de embarcar em revisões de grande porte, grande fôlego e longo prazo? De nada adiantarão os truques plebiscitários ou aventuras constituintes, os contribuintes e, por extensão, os cidadãos querem uma representação parlamentar capaz de desamarrar com cautela e definitivamente os nós que constrangem e apequenam o Estado brasileiro.

Há mais de meio século, o presidente Juscelino Kubitschek introduziu um conceito da aceleração ("Cinqüenta anos em cinco") que não se sustentou. O PAC consegue ser ainda pior: criou uma noção de pressa de investimentos sem a contrapartida de reformas pela qual pagaremos um alto preço.

A discussão sobre a CPFM é uma oportunidade que não deve ser malbaratada. Uma discussão séria, transcendente, pode ultrapassar as rivalidades partidárias e o simplismo dos slogans vocalizados pelos lobbies.

Basta decidir que qualquer decisão será progressiva. Isso pode produzir uma revolução.

Alberto Dines é jornalista.

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