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| Foto: Carl de Souza/AFP

Um dos principais argumentos utilizados por quem questiona a viabilidade de um eventual governo Bolsonaro está relacionado às condições de governabilidade com que o mesmo contaria, uma vez empossado. Qual seria sua base de apoio? Quem seriam os líderes do governo no Congresso? Como será possível, questionam alguns, que um parlamentar de expressão, até aqui, mediana, seja capaz de reunir em torno de si um conjunto de deputados e senadores que garantam a aprovação de tantas medidas necessárias ao país e que exigem fórum constitucional para serem aprovadas?

Antes da eleição de Fernando Collor, em 1989, havia dúvidas semelhantes. Parecia impossível que um governador de um estado pequeno como Alagoas, filiado a um partido nanico, como o PRN, fosse capaz de reunir uma base de apoio capaz de lhe garantir governabilidade. A história mostrou que não apenas produziu-se uma base capaz de garantir ao presidente recém empossado a aprovação de medidas tão polêmicas quanto o confisco dos ativos financeiros, como também testemunhou o surgimento de lideranças políticas que viriam a ser peças-chave na sustentação dos governos subsequentes, no período de presidencialismo de coalizão que ali nascia, e que viria depois a caracterizar os últimos 25 anos, como os então deputados Renan Calheiros e Roberto Jefferson, jovens políticos que se tornariam líderes do governo Collor. O presidente Collor terminaria apeado do poder por motivos inteiramente distintos daqueles que lhe garantiram a plena governabilidade nos dois primeiros anos de seu mandato.

O presidente Collor terminaria apeado do poder por motivos inteiramente distintos daqueles que lhe garantiram a plena governabilidade

Alguns ainda poderiam argumentar que, nesse particular, a situação presente não pode ser comparada a 1989, pois tratava-se ali do primeiro governo eleito em quase 30 anos, então a questão da governabilidade não se colocaria, num primeiro momento, pois o governo diretamente eleito estaria automaticamente legitimado. Ora, a queda de 7% no PIB entre 2015 e 2016 , com a correspondente destruição de milhões de postos de trabalho e o descrédito absoluto em que as instituições do país mergulharam após o desastre econômico e moral causado pelo governo do PT representam fatores de legitimação ao governo, que será eleito em breve, tão poderosos quanto o período de 29 anos em que o país viu-se privado de eleições diretas para presidente representou para o governo Collor. Após o turbilhão que devastou o país nos últimos anos, não existirá ao Congresso a opção de não negociar com o presidente eleito, quem quer que ele seja – opção essa que não havia também em 1989. As bases da governabilidade não serão necessariamente idênticas, mesmo porque é evidente o protagonismo representado pelos males do presidencialismo de coalizão (ou cooptação) no conjunto da crise que vivemos.

A Revolução de 1930 derrubou um regime que, com o tempo, revelou-se incapaz de agregar representação política a parcelas relevantes da população e a estados com importância econômica crescente na federação. Trinta anos depois, o regime instalado, já transmutado abertamente em populismo de esquerda e tragado por escândalos de corrupção, entraria em fase final de erosão quando, em 1960, o país elegesse Jânio Quadros, um político excêntrico que pretendia “varrer” a corrupção instalada no governo (“varre, varre vassourinha!”). Vinte e nove anos depois de Jânio, o país elegeria Fernando Collor, o “caçador de marajás”, a despeito do apoio maciço das esquerdas que ocuparam o vácuo de poder deixado pelos militares, a Lula, no segundo turno do pleito. O amplo espectro de apoio a Lula ia desde Leonel Brizola – herdeiro principal dos populistas originais – Getúlio Vargas e João Goulart – ao PSDB de Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e José Serra.

Opinião da Gazeta: Consenso desafiado (editorial de 12 de agosto de 2018)

Leia também: Bolsonaro? Como é possível? (artigo de Alexandre Nigri, publicado em 19 de agosto de 2018)

A perspectiva histórica e o esgarçamento do modelo político vigente tornam os detalhes da construção da sustentabilidade de um eventual governo Bolsonaro uma questão acessória, e escancara a miopia dos céticos. As eleições de outubro próximo representam uma nova chance a um país que, vinte e nove anos após a eleição de Collor, ainda não acertou o desenho de um sistema político que venha a garantir maior sintonia da classe política com os cidadãos. A instituição do voto distrital e a escalada das cláusulas de barreira serão as mais importantes reformas a serem implementadas no próximo quadriênio, de modo a garantir a continuidade de nossa democracia no futuro.

Pedro Jobim é PhD em economia pela Universidade de Chicago e Economista-Chefe da Legacy Capital.
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