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De um país alegre, luminoso, abençoado por Deus e bonito por natureza que fomos, estamos nos transformando num país qualquer, cultor da vulgaridade travestida em simplicidade e do mau gosto

Parece impossível, mas é verdade: nosso país está ficando feio. Está ficando feio porque vira as costas para a beleza, prefere o vulgar ao bom gosto em tudo ou quase tudo. Não sei se essa obsessão pela feiura vem da mania de dividir a arte e a cultura entre o culto e o popular, mas suspeito que o seja. O que é considerado "culto" recebe, imediatamente, o carimbo de elitista, descompromissado com "nossas raízes" e o real sentimento do "nosso povo". O que é rotulado como oriundo da "cultura popular" recebe, também imediatamente, o selo de aprovação como autêntica expressão de nossa gente.

Mas onde mesmo estão nossas raízes e a cultura popular? Nas duplinhas sertanejas que se multiplicam como coelhos e cometem letras como "Não era pra você se apaixonar, Era só pra gente ficar, Eu te avisei!"? E em "Eu ando muito afim de experimentar, meter o pé na jaca sem ter que me preocupar, eu quero mais, mais, mais, mais...", grande sucesso popular de Claudia Leite? Ou ainda no hit do Carnaval baiano, "Bota a mão na cabeça que vai começar o Rebolation tion tion, Rebolation, o Rebolation tion tion, Rebolation..."?

Desculpem as muito feias, mas a beleza é fundamental e continuo a achar que a verdadeira cultura popular exsuda em "Nossas roupas comuns dependuradas, na corda qual bandeiras agitadas, pareciam um estranho festival. Festa dos nossos trapos coloridos, a mostrar que nos morros mal vestidos é sempre feriado nacional", do ex-lavador de carros, mecânico, chofer de caminhão e garimpeiro Silvio Caldas e do menino de rua que aprendeu a ler nas bancas de jornais, Orestes Barbosa. E na imortal "Vai Passar", de Chico Buarque, um filho da elite brasileira: "Palmas pra ala dos barões famintos, o bloco dos napoleões retintos e os pigmeus do bulevar. Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar a evolução da liberdade até o dia clarear".

Nossas cidades estão ficando cada vez mais feias. Do Rio de Janeiro, nem falar. Aquela maravilha que Deus colocou na terra, tratada a pontapés pelos governantes e pela população, cheia de lixo, com calçadas intransitáveis, exalando mau cheiro. E a nossa europeia Curitiba? Cantada em verso e prosa como uma cidade singular, diferente, "civilizada", está emporcalhada de pichações, nas quais só os mais otimistas conseguem ver qualquer sinal de valor estético ou social. Outro dia, reuniu-se em Curitiba um "congresso" de pichadores, com trinta marmanjos vindos de várias cidades para discutir os rumos dessa peculiar forma de "arte popular".

Por que essas queixas ranzinzas? Porque o Carlos Alberto Nêgo Pessoa (temos de fazer com ele o que se fez com o Lula, incorporando o apelido, pois se alguém o chamar só de Carlos Alberto correrá o risco de ficar incógnito) lançou um livro com suas reminiscências do futebol brasileiro. E, então, lembrei-me de que, sim meninos, eu vi, Pelé, Ademir da Guia, Tostão, Rivelino, Castilho, Didi, Garrincha, Nilton Santos e muitos outros virtuosos jogarem, esbanjando talento; e agora vejo o país idolatrando e pagando a peso de ouro, Ronaldinho Gaúcho e Adriano como gênios da raça. Melancolicamente, a grande maioria daqueles craques lembrados pelo Nêgo morreu pobre ou dependeu de jogos beneficentes para ter uma velhice minimamente decente, enquanto, atualmente, uma multidão de mediocridades desfila derreada sob o peso de correntes de ouro e brincos de brilhante.

Acorda Brasil. De um país alegre, luminoso, abençoado por Deus e bonito por natureza que fomos, estamos nos transformando num país qualquer, cultor da vulgaridade travestida em simplicidade e do mau gosto apresentado, injustamente, como representativo do gosto popular. Do jeito que as coisas vão, esse maldito bloco da mediocridade é o único que não vai parar de desfilar nessa avenida por onde passaram sambas imortais, sangraram nossos pés, sambaram nossos ancestrais.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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