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Demorou e não saiu. O primeiro escalão de um governo costuma ser anunciado tão logo é eleito, às vezes até antes. Antônio Palocci no seu recém-lançado "Sobre Formigas e Cigarras" revela que, em 2002, José Dirceu e Lula cogitaram antecipar o anúncio do futuro ministro da Fazenda antes mesmo do primeiro turno para esvaziar o clima de apreensão nos meios empresariais nacionais e internacionais.

A confortável vitória em 2006 depois do pesadelo de 2005 afrouxou os paradigmas de autodefesa. O primeiro escalão do Executivo não foi anunciado nos dois meses que antecederam a posse, nem no dia seguinte ao início do novo mandato. Além dos ministros que administram o dia-a-dia da Presidência da República e cuja permanência jamais seria colocada em dúvida, tomaram posse nesta sexta-feira três ministros. Destes, a pasta-chave ou pasta-símbolo é a da Justiça.

O elegantíssimo e sofisticado Márcio Thomás Bastos deixa o cargo, mas segundo o próprio presidente Lula continuará como seu advogado. E, por conseguinte, também continuará a redação dos seus badalados diários secretos, mas guardados a sete chaves para a alegria da próxima geração de historiadores e leitores.

A contratação pública do famoso criminalista pelo chefe da Nação não se confina à esfera privada do cidadão Luiz Inácio Lula da Silva. O uso do verbo "continuar" no improviso da cerimônia da posse é extremamente sugestivo. Estimula ricas reflexões sobre o estado do nosso Estado.

O Ministério da Justiça não é parte do Judiciário, mas comanda todas as instituições encarregadas da administração da Justiça – da Polícia Federal ao sistema penal. A um ministro da Justiça, portanto, não se recomendaria acumular a gestão de um órgão público desta importância institucional com a tarefa de defender os interesses civis do cidadão que ocupa a chefia da Nação.

Trata-se de um evidente e indiscutível conflito de interesses tornado visível paulatinamente, à medida que alguns escândalos chegavam à vizinhança do palácio de despachos na Praça dos Três Poderes.

O brilhante desempenho do ex-ministro no caso do Dossiêgate é um caso de estudo que merecerá no futuro interessantes teses de doutorado em ciências jurídicas e fascinantes romances de suspense político. Ao confinar o inédito escândalo eleitoral de proporções federais à esfera dos aloprados municipais, o criminalista Bastos comprovou a acuidade do presidente Lula na escolha do seu causídico.

Ainda que tenha trocado de pasta, gabinete e endereço, o ministro Tarso Genro manterá parte das antigas atribuições como efetivo ministro político. As Relações Institucionais pelas quais zelava resumiam-se ao campo partidário e à consolidação da base de apoio parlamentar do governo. Convém lembrar que as relações do Poder Executivo com o chamado Quarto Poder (a imprensa), começaram a azedar quando Tarso Genro trocou o Ministério da Educação pela presidência interina do partido do governo.

Depois de cogitar a "refundação" do PT, tão acabrunhado estava com as revelações do valerioduto, Tarso Genro partiu para o ataque em setembro de 2005 e passou a culpar a mídia pelos vergonhosos desdobramentos. Em seguida, mudou de função e status, mas não trocou o bode expiatório. Para ele a imprensa transformara-se num partido político, era golpista e toda a história do Dossiê Vedoin fora uma invenção para impedir a reeleição do presidente. Esqueceu um detalhe: tudo começou porque setores do partido do governo compraram um dossiê falso para publicá-lo como contrabando num semanário.

Na mesma sexta-feira em que o presidente Lula anunciou que o seu advogado continuará o mesmo, o substituto de Márcio Thomás Bastos apareceu na "Folha de S. Paulo" para garantir a livre circulação de opiniões. Seu antecessor jamais precisou fazê-lo graças à imagem de convicto liberal.

Ambos, porém, graças aos respectivos atributos, contribuíram decisivamente para transformar o Ministério da Justiça numa daquelas pastas com as quais não se pode brincar.

Alberto Dines é jornalista.

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