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No dia 1.º de abril de 2014, data que marcou os 50 anos da instauração de uma ditadura civil-militar no Brasil, diversas organizações estudantis se reuniram no Pátio da Reitoria da UFPR, em Curitiba, para realizar um ato marcado por simbolismo: arrancar o busto do ex-reitor Flávio Suplicy de Lacerda, localizado aos fundos do prédio onde ficam abrigadas algumas pró-reitorias e o gabinete do reitor.

O ato, aparentemente violento, buscou repetir o gesto dos estudantes da UFPR que, em 1968, arrancaram o busto de Suplicy de Lacerda e o arrastaram pelo centro da cidade até a Boca Maldita, por cerca de 1 quilômetro. Na época, o ato foi uma vingança simbólica dos estudantes contra aquele que foi o primeiro ministro da Educação da ditadura civil-militar e que tentou implementar cursos pagos nas universidades federais, assinou o acordo entre o MEC e uma agência americana de ensino chamada Usaid e foi autor da lei que criminalizou o movimento estudantil.

O ato gerou polêmica, visto que muitas vozes apareceram para dizer que o busto deveria ser "ressignificado, mas não arrancado", que um patrimônio público foi depredado, que Suplicy foi muito mais do que ministro da ditadura e que não houve decisão coletiva acerca do ato.

É verdade que outros atos poderiam ser feitos em torno do busto – como, por exemplo, colocar uma placa explicando a história nefasta de Suplicy à frente do MEC. Mas, por outro lado, passados 29 anos do fim da ditadura e mais de um ano da instalação da Comissão da Verdade da UFPR, estava bastante claro que essa ação não viria de forma institucional. Por causa disso, diversos grupos de estudantes optaram por repetir o gesto de 1968 – certamente, naquele ano arrancar o busto era o único ato possível.

A intenção, agora, é que o busto seja preservado e vá para um museu de memória do período ditatorial. Ninguém quer esconder a história. Apenas não queremos que um agente da ditadura seja um dos poucos reitores homenageados com busto num lugar de destaque da UFPR. No Chile, país onde a política de memória histórica é muito positiva, não há nenhuma avenida, praça ou escola chamada Augusto Pinochet, e nem por isso a população desconhece quem foi o general que comandou o país de maneira autoritária durante 17 anos.

Os que desejavam um ato "mais suave" para conquistar mais "apoio externo" devem observar que o assunto Suplicy de Lacerda foi pautado pela ação dos estudantes. Infelizmente, poucos paranaenses sabem da influência de políticos do estado na ditadura de 1964-85, e o ato de arrancar o busto certamente vai colaborar para que a sociedade como um todo fique ciente desse pedaço da história.

Certamente, Flávio Suplicy de Lacerda não foi apenas ministro da ditadura. Mas essa fase é a mais marcante de sua carreira. Deixar de criticar Suplicy por ele ter "outros feitos" seria como deixar de criticar a oligarquia Sarney por causa da produção literária do ex-presidente.

Ah, a legitimidade! É evidente que um ato desse não foi decidido de maneira pública, pois do contrário ele não seria feito. Mas, se há um desejo por uma legitimidade formal para a ação, o movimento estudantil, por diversas vezes, aprovou em seus fóruns a repetição do ato, sejam eles congressos estudantis (como o Congresso dos Estudantes da UFPR de 2005). Também, em ocupações da Reitoria, reivindicou ao gestor da UFPR a retirada do busto. É curioso que os mesmos que agora "desejam" legitimidade foram os mesmos que riram e criticaram quando os estudantes pediram isso formalmente. Mas o raciocínio da legitimidade também deve ser invertido: quem decidiu por colocar aquele busto naquele lugar? Um reitor da época ditatorial?

A retirada do busto de Flávio Suplicy de Lacerda do Pátio da Reitoria da UFPR é apenas um pequeno passo para que a sociedade brasileira avance para sepultar os "legados" da ditadura, que permanecem ainda em 2014, quando vemos Amarildos e Claudias desaparecerem e serem arrastados por policiais militares sem que uma mínima punição esteja no horizonte!

Bernardo Pilotto é sociólogo pela UFPR e mestrando em Saúde Coletiva na Unifesp.

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