• Carregando...

Neste mundo mediático e com fronteiras en­­fra­­quecidas, comunicar-se passou a ser um de­­ver do poder público, inclusive do Judi­­ciá­­rio

Observa a juíza portuguesa Albertina Pedroso que "a relação dos tribunais com a comunicação social, não sendo um assunto recente, ganha especial relevo sempre que os tribunais são chamados a decidir questões que respeitam a figuras públicas, acentua-se com os frequentes conflitos de gênese política ou de natureza laboral que contendem com os direitos dos cidadãos e que o juiz é chamado a solucionar, e ainda quando, como assistimos mais recentemente, estão em causa questões que afetam os mais desprotegidos, nomeadamente as crianças".

O fortalecimento do Poder Judiciário brasileiro, após a Constituição de 1988, despertou o in­­teresse da mídia. Assim, tal como em Portugal, acusações a figuras públicas, casos repulsivos ou que inovem na ordem jurídica despertam interesse e recebem grande divulgação. Há nisto dois lados, o bom e o ruim.

O lado bom é a informação dos fatos a toda sociedade. Nada mais permanece obscuro, como antigamente. Tudo é exposto com clareza e nisto os meios de comunicação dão uma enorme parcela de contribuição à sociedade e à democracia.

O lado ruim é que, por vezes, o "julgamento" dá-se pela mídia e depois é "ratificado" pelo Poder Judiciário. É o que aconteceu no recente júri do casal Nardoni, acusados de homicídio de uma criança. A repercussão foi tamanha que ninguém poderia imaginar uma decisão absolutória.

A mídia e o Judiciário têm tempo, linguagem e interesses distintos. A mídia necessita de informação em tempo real. O Judiciário decide depois de ouvir a parte contrária e do juiz formar sua convicção. A linguagem da mídia é clara e direta. O Judiciário ainda se vale de termos medievais.

Em paralelo ao aspecto diversidades, há a questão da importância da divulgação. Os tribunais se dividem entre os que estão abertos à mídia e os que a ela se fecham, criando obstáculos à divulgação de suas notícias. Evidentemente e em boa hora, os primeiros estão em número ascendente.

Um tribunal deve ser transparente. Seu site deve conter todas as informações possíveis, evitando-se apenas aquelas que ponham em risco a instituição e seus membros e os casos de segredo de Justiça. Portanto, o andamento dos processos, os vencimentos de juízes e servidores, as metas institucionais, a estatística, a jurisprudência, tudo deve ser posto à disposição da mídia e da população.

Na outra face da moeda há o risco da vaidade sem controle. Juízes e agentes do Ministério Público não são artistas de tevê. Como agentes políticos, cabe-lhes transmitir à população uma imagem de confiança e credibilidade. Por isso, mesmo em 2010 e com todas as mudanças sociais ocorridas, não cai bem esses profissionais saírem em fotos de coluna social com a camisa aberta, cabelo desgrenhado e um ar de galã de telenovela.

Finalmente, do ponto de vista institucional, os tribunais estão se abrindo à necessidade de comunicar-se com a sociedade. O Conselho da Justiça Federal vem promovendo seguidos encontros dos profissionais de comunicação social, criando um padrão de bom nível de comunicação na Justiça Federal.

A necessidade e o interesse do Poder Judiciário em comunicar-se com a sociedade e a necessidade e o interesse dos profissionais de comunicação social em inteirar-se dos problemas do Poder Judiciário estão levando a um grau de amadurecimento nas relações entre esses profissionais de origem e formação tão diferentes.

Seminários, estudos, compreensão mútua, estão tornando essas relações mais próximas e menos conflituosas. Por parte dos órgãos de comunicação já é certo que os que tratam desse tipo de jornalismo devem ser especializados, não apenas tecnicamente, mas no modo de lidar com os profissionais da Justiça. Do lado dos magistrados e membros do MP já existe a noção de que aquele jovem, com trajes informais e perguntas diretas, está cumprindo seu dever profissional e deve me­­re­­cer tratamento correspondente.

Em suma, como bem lembra Boaventura de Souza Santos, em Tribunais e Comunicação Social, "há que encontrar novas vias que nos façam sair da opção entre tribunais reality shows e tribunais socialmente distantes e incomunicáveis". O fato é que, neste mundo mediático e com fronteiras enfraquecidas, comunicar-se passou a ser um dever do poder público, inclusive do Judiciário.

Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado, é diretor da Esmafe-PR, professor doutor da PUC-PR e presidente do Instituto Brasileiro de Administração do Judiciário (Ibrajus).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]