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Tempos atrás, ao comentar a chamada "crise do jornalismo impresso", o jornalista e pesquisador espanhol Matias Molina pôs o dedo na ferida. Disse que nem a crise tem a cara e o tamanho que se propala. Nem é uma exclusividade dos impressos. Mais – lembrou que tanta fuzarca fez mal, muito mal aos jornais, que pagaram o pato de um fenômeno mundial que atinge todos os meios, inclusive a televisão.

Pois é. Setores do mercado passaram a se pautar pelo fim anunciado dos jornais, como se Godzilla estivesse prestes a fazer picadinho das impressoras. "Fujam", parecem dizer os profetas. Ouve-se aqui e ali certezas a respeito do que nos espera, como se uma flecha viesse na mira da testa. As bravatas vêm das próprias redações, dos meios acadêmicos e publicitários, para citar três territórios em que se garganteia o último round para os "diários". Uma manchete barata saída dos tabloides não faria melhor. Mas devagar, pois é preciso.

Virou lugar comum afirmar que desde Gutenberg não se via tamanha reviravolta. A internet mexeu no eixo da Terra, e não adianta brincar, dizendo que a rede pode sumir do mapa, puft!, como aconteceu com os dirigíveis. Ou com os dinossauros. A piada é boa, mas boba. A graça está em que essa reviravolta não é um pacote fechado. A coisa se mexe pra caramba. Mal podemos tocá-la. Forma uma espécie de biodiversidade – como bem descreveu o entusiasta Steven Johnson em seu (necessário) livro Emergência. Johnson usa de metáforas como o formigueiro e as calçadas para explicar o que significa essa época que deu ao leitor o status de editor.

Se há algo de importante a fazer agora é ler os sinais, com ciência e pachorra. Faça o teste: a maior parte das teses sobre o futuro pós-internet envelheceu como frutas numa feira de Belém do Pará. Nem o Pierre Levy escapa. Nem Chris Anderson. Nem Ken Doctor. Nem Andrew Keen. Não tem teórico de posse das Tábuas da Lei. Nem o Wolton. A afirmação de hoje tende a virar sucata amanhã. Eis a nova ordem, uma canseira.

Calma aí – não se trata de um dilema ontológico, mas de uma dorzinha contínua, à prova de analgésicos. Uma boa receita caseira é o otimismo, essa categoria tão pouco amada. A ele: a crise tem ensinado muito aos jornais. Lá se vão 20 anos. Nesse tempo os impressos cresceram em qualidade. Mas, antes que algum veterano das redações esbraveje, pensemos em outro lucro: sabemos mais hoje sobre o público do que em todo o século anterior.

Sim, a crise nos pôs a dançar com os leitores. Se antes falávamos para os que nos pareciam ideais, hoje temos de falar para os reais. Descobrimos que não são à nossa imagem e semelhança – os posts, esses bandidos, não mentem. Reclamam que sintamos a vida como ela é. Que lhes apresentemos saídas – quem sabe um simples serviço. De aplicados, como os supúnhamos, mostraram-se ao rés-do-chão. Manifestam-se quando se acham potentes. Calam-se quando impotentes. Melhor não chamá-los de acanhados; antes, de honestos.

Não sabemos muito bem como lidar com isso. Ruim? Excitante. Os chatos, claro, dizem que a geração governada pelo polegar e pelo indicador vai dar um pé nos impressos. Esquecem o que professa o sociólogo norte-americano Paul Starr – não existe sociedade desenvolvida no mundo que não tenha um jornal impresso forte. Sem mediadores da informação, não há solução. É o que veremos.

José Carlos Fernandes, jornalista, é doutor em Estudos Literários pela UFPR e professor do curso de Comunicação Social-Jornalismo da UFPR. Este texto integra série especial de artigos sobre os 50 anos do curso de Jornalismo da UFPR.

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