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Anuncia-se que até o fim de maio teremos a proposta de um novo Código Penal. Não é sem frequência que se diz ser o Código antigo e em descompasso com os "novos tempos". Se é fato que o Código atual é da década de 1940, não é menos fato que já sofreu várias reformas e que há uma boa quantidade de leis sobre matéria penal, em especial criando novos delitos, editadas de forma esparsa: Código de Trânsito, Lei de Crimes Ambientais, crimes contra o sistema financeiro, apenas para poucos exemplos.

A pesquisadora Laura Frade que analisou, recentemente, uma quadratura legislativa do Congresso, indicou que havia mais de 600 projetos de lei em matéria criminal, em sua maioria esmagadora criando delitos e endurecendo penas. De certo modo, essa postura indica a visão que o âmbito político tem da matéria criminal, veiculada pelos discursos de combate ao crime, à violência e à insegurança.

É fato, porém, que o populismo penal tem vida curta e não resiste a uma análise mais detida da própria história brasileira; leis recentes, aprovadas às pressas, serviram mais a propósitos eleitorais do que significaram melhora legislativa a refletir positivamente na vida da comunidade. A criminalidade não diminuiu, ao contrário: criando novos crimes, mais pessoas passam a ser "criminosas".

Não parece ser possível que o propósito político da reforma desconheça como premissa fundamental o fato de que a mudança da lei penal tem limitada capacidade de mudança social.

É necessário, antes de mais nada, definir qual a política criminal que o país deseja, quem são as milhares de pessoas que o sistema penal vigente recolhe diariamente, como máquina mortífera, e quais os instrumentos políticos de âmbito prevencionista de que está disposto a lançar mão para evitar a ocorrência de crimes. Somente depois disso é possível fazer um novo Código.

A pressa política na feitura e na aprovação de um texto, em matéria penal, já representou para nós muitos problemas, como o Código de 1890; e, recentemente, a lei de crimes hediondos e a lei sobre crimes sexuais. De qualquer forma, Senado e Câmara constituíram, cada qual, comissões para a reforma; inclusive um canal aberto para que a população se manifeste sobre ela. E aí é que se viu que os desejos do povo afinam-se com a batuta de alguns legisladores: prisão perpétua, redução da maioridade, aumento da prescrição e restrição de benefícios estão entre os temas "mais pedidos".

É nesse contexto que assume importância a efetiva participação da comunidade jurídica para que a reforma possa representar um avanço e não um retrocesso legislativo. O tempo político, agora, deveria parar e ouvir atentamente a comunidade jurídica em questões técnicas importantes, como a estrutura e o conceito dos elementos que compõem o crime, o sistema de imputação e de penas afinados com as reflexões doutrinárias mais atuais. A ampla participação das instituições do sistema de Justiça e das universidades poderia contribuir enormemente para o necessário debate político e público das questões jurídicas e redundar num "novo" Código Penal, fruto de um sentimento republicano e não como solução passageira para problemas já perenizados em nosso país.

Priscilla Placha Sá, advogada criminal, é professora de Direito Penal da UFPR e da PUCPR.

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