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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Um país refém da paralisação dos caminhoneiros, refém do crime, refém na Linha Vermelha, escondido atrás do carro, esperando que o tiroteio acabe. Um país refém da bala perdida, do arrastão, do golpe por telefone, do sequestro relâmpago, de pivetes na rua (tente traduzir estas palavras em qualquer outra língua). Um país refém que mata mais que a Síria e o Iraque, que resolve só 8% dos homicídios, refém de não poder se defender.

Um país refém em casa. Fechado com cerca elétrica, porteiro 24 horas, portão duplo, câmeras e grades nas janelas. Refém, com medo de sair e, quando o faz, o faz com insulfilm ou até com carros blindados (como nos filmes de ação), deslocando-se de casa até o lugar de chegada, sem passear pela rua, olhando no retrovisor o tempo todo, sem parar no semáforo à noite, sem viver a cidade. Sem viver.

Um país refém do carnaval, refém de bêbados, pelados, suados e exaltados que urinam na rua, que deixam um manto de lixo. Refém de extrovertidos pelos quais a vida deveria ser um carnaval o ano todo, e aí a festa se estende não a um, mas a quatro dias, mais pré e pós-carnaval. E posterga-se o começo do ano produtivo a meados de fevereiro. Refém de blocos em todo canto e, se você precisa ir trabalhar, é você que tem de se adaptar, acordar antes e mudar de caminho.

Um país refém do protecionismo, refém de carros vistos como símbolos de status, mesmo que sejam caríssimos e péssimos; refém da alfândega mais eficiente do planeta, refém da muamba, refém de impostos sobre frete, refém do Mercosul, refém da balança comercial, refém da indústria nacional, refém do setor estratégico. Refém em uma das economias mais fechadas da Terra.

Um país refém de 496 empresas estatais – mas a culpa é do ‘capitalismo selvagem’...

Um país refém da “economia de monopólios”, do monopólio da tevê, do petróleo, do correio, da luz, da água, dos ônibus, do saneamento. Um país refém de concessões, autorizações, alvarás e carimbos. Um país refém dos campões nacionais, do maior banco de (sub)desenvolvimento do globo, dos amigos do príncipe e dos amigos dos amigos, refém de construtoras, bancos, de bancos estatais, marqueteiros, frigoríficos milionários e subsidiados pelos pobres. Um país refém de 496 empresas estatais – mas a culpa é do “capitalismo selvagem”...

Um país refém do plano nacional, do plano nacional da borracha, do milho, do café, das prisões, plano nacional da educação, plano nacional de desenvolvimento, plano nacional de segurança pública, do plano piloto, do piso salarial nacional, da política industrial, refém de “uma ideia de país”, uma só para todo mundo.

Um país refém de dinossauros que não querem deixar a poltrona, que não entenderam que as pessoas cansaram e que o país mudou. Um país refém de coronéis que dominam inteiros estados como se fossem propriedade deles (e, no fim, são mesmo). Um país refém de famílias tradicionais que estão no poder desde Cabral e, afinal, são até invejadas.

Um país refém de donos de partidos, de donos de cartórios, de donos de sindicatos, de donos de táxi, de “a favela tem dono”, de donos da casa dos outros que podem até desapropriá-las. Mas a culpa é sempre da dona minha esposa.

Leia também: O custo da greve também é o custo da ética (artigo de Felipe Bezerra da Silva, publicado em 10 de junho de 2018)

Opinião da Gazeta: A greve dos caminhoneiros e o investimento estrangeiro (editorial de 11 de junho de 2018)

Um país refém de marxistas (ainda em pleno século 21). Refém de uma camiseta de um homofóbico que gostava de fuzilar, refém do Foro de São Paulo, refém dos sindicatos que mandam fechar as lojas, refém de crianças politizadas que invadem escolas e de militantes que bloqueiam as ruas, refém de doutrinadores federais que não ensinam nada, fingem problematizar e só fazem lavagem cerebral.

Um país refém de leis trabalhistas fascistas que prendem os trabalhadores mais pobres e espantam as multinacionais (como a Ikea e a Gap). Um país refém da terceira Constituição mais longa do planeta e que amarra o orçamento ao sonho do almoço grátis. Um país refém de advogados que se orgulham de ter um “papel constitucional”, refém de quem ensina que o direito é “ferramenta de mudança social” e não um método de resolução de conflitos.

Um país refém de encontros fora da agenda, de encontros no boteco com óculos escuros, de encontros com gravação, de encontros em hotéis cinco estrelas em Portugal, de encontros com sofás e cafés nos gabinetes, de encontros em uma capital afastada dos olhos do povo.

Um país refém de acordos, cartéis e conluios. Cartéis de postos de gasolina, cartéis de metrô e cartéis entre partidos. Refém de conluio entre regulador e regulado, entre fiscal e fiscalizado, entre política e negócios, entre política e Judiciário, entre política e igreja, entre política e futebol (mas a culpa nunca é da política). Refém da oposição que se alia com o partido de governo nos bastidores, refém do governo de unidade nacional para “salvar todo mundo”. Um país refém do Centrão e do “grande acordão”.

Bruno Garschagen: De volta para o passado e a minha breve experiência como caminhoneiro (publicado em 5 de junho de 2018)

Francisco Escorsim: Não temos representantes. Mas queremos? (publicado em 29 de maio de 2018)

Um país refém de um legislador elitista que nega aos pobres o título de propriedade da casa, que proíbe vender na rua, que torna caro empreender na legalidade. Um país refém de burocratas que produzem “serviços” estatais dos quais fogem, de cozinheiros que não comem a própria comida. Um país refém de economistas que não querem economizar e de políticos que querem politizar tudo. Um país refém de artistas que posam de intelectuais e de intelectuais militantes. Um país refém do patrono da educação, do fantasma do neoliberalismo, do pai dos pobres, do filho do Brasil, do mito.

Um país refém da culpa dos outros, de Portugal, dos ingleses, dos estadunidenses, do capital, da elite. Um país refém de si mesmo, refém da própria natureza, da biodiversidade, das belezas, da Amazônia, do protecionismo, do “petróleo é nosso”, do “querem roubá-lo”, do “temos recursos naturais”, do “teríamos tudo para dar certo”, do “somos o oitavo país mais rico do mundo”. Um país refém do “e o que irão pensar de nós?”, do “e a imagem do país?”, do “o que está dizendo a mídia internacional sobre o Brasil?”. Um país refém da comparação com países ricos, da vergonha e do nacionalismo não assumido.

Um país refém do extremismo de direita e do extremismo de esquerda, refém do “bandido bom é bandido morto” e do “coitadinho vítima da sociedade”, refém de quem apoia as ditaduras venezuelana e cubana, de quem é apoiado pelo ditador coreano, de quem quer a volta da ditadura militar, refém de quem se ilude que “um homem forte ao comando vai consertar o país”.

Um país refém em prisões superlotadas e refém de não poder construir mais, refém na prisão por crimes sem vítimas, um país refém do PCC e do Comando Vermelho, um país refém das rebelião de presos que o degolam e o jogam do teto.

Um país refém das pessoas erradas, refém das ideias erradas.

Adriano Gianturco é professor de Ciência Política do Ibmec-MG.
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