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A indicação indireta para o parlamento afasta o povo do debate político. Dificulta a criação de uma identidade política e a formação da cidadania.

No segundo semestre do ano passado, a França e a Holanda disseram, por razões distintas, "não" à proposta de Constituição da União Européia (UE). Essas negativas foram a gota d’água para levar a UE a uma grave e profunda crise política. Foi a gota d’água porque havia outras razões para a crise. Uma delas é o fato de jamais ter sido construída uma "cidadania" do bloco europeu. No Mercosul, também inexiste a identidade de "cidadão" do bloco. Mas este fato ainda não é preocupante. Há diferença de processo de construção de um bloco para o outro. Quanto ao tempo de formação, por exemplo, enquanto a União Européia já é avó – tem mais de meio século de criação –, o Mercosul, oficialmente criado em 1991, acaba de entrar em sua fase de adolescência.

Esta diferença de idade, por si só, já é importante. Alguns dos erros cometidos pelos europeus podem ser evitados por aqui. No caso específico da elaboração do protocolo do Parlamento do Mercosul, levamos tal fato em consideração. Por muitos anos, os deputados do Parlamento Europeu também eram deputados dos parlamentos nacionais. E, durante muito tempo, não houve eleições diretas para este parlamento. Ao propor um parlamento para o Mercosul, procuramos encurtar esta etapa. Somente a primeira legislatura, com duração de quatro anos, será composta por indicação indireta, e por parlamentares nacionais. A partir de 2010, os integrantes do Parlamento do Mercosul serão escolhidos por eleições diretas, e eleitos especificamente para o cargo. A indicação indireta para o parlamento afasta o povo do debate político, o que dificulta a criação de uma identidade política e a formação da cidadania. Sem o voto, o cidadão não se identifica com o processo de formação. Não se sente agente do mesmo. Na condição de membro de ambos os parlamentos, o parlamentar confundiria suas posições políticas. As posições a serem defendidas pelo integrante do Parlamento do Mercosul devem ser aquelas relativas aos direitos de todos os cidadãos e cidadãs do bloco, e não as referentes a políticas nacionais. A proposta de constituir um Parlamento para o Mercosul teve como como pano de fundo várias preocupações. Entre elas, a de conferir ao Mercosul uma nova institucionalidade, além de construir a cidadania do bloco.

A globalização vem conformando diferentes blocos econômicos, alguns deles com institucionalidade própria, como é o caso do Mercosul. E os processos decisórios vão sendo transferidos da esfera do Estado para o âmbito das instituições responsáveis pela integração, como o Conselho do Mercado Comum, onde estão representados os governos de cada um dos países do Mercosul. O cidadão comum não participa, não tem conhecimento do que está sendo debatido. Inclusive a grande maioria dos parlamentos nacionais simplesmente desconhece os acordos em questão.

O povo está distante do processo decisório, e impotente para nele intervir e se fazer representar. Dessa forma, as normas produzidas pelos órgãos da integração carecem de legitimidade, uma vez que não são suficientemente debatidas pela sociedade. O Parlamento do Mercosul não será a solução, mas será um órgão que terá o papel de ouvir o povo e procurar representá-lo, ainda que indiretamente. Também terá como direito e dever, pela própria distância política dos parlamentos nacionais, de fazer o acompanhamento de todo processo de negociação do Mercosul. Com o novo parlamento, muitos tratados do Mercosul que hoje não são submetidos à aprovação dos parlamentos nacionais, acabarão por sê-lo pelo Parlamento do Mercosul. O processo de globalização leva os países e os blocos a debater de forma permanente todos os aspectos da política (econômica, ambiental, cultural, financeira, serviços, etc.) internacional, e a assinar acordos e tratados. Em geral, o debate sobre esses acordos se no poder Executivo, quase nunca no Legislativo. Em quase todos os países do Mercosul, os parlamentares que se interessam por política externa não recebem a devida valorização. Quase sempre são acusados de estar mais interessados em viajar do que defender os direitos do povo. Esta acusação é recorrente porque o cidadão não conhece as razões dos blocos, e tampouco o conteúdo dos tratados internacionais, que não raramente podem roubar seus direitos.

O Parlamento do Mercosul ajudará a mudar essa cultura. Com ele, o cidadão terá direito a obter informações sobre os mais variados temas da política internacional. Se desejarmos um parlamento que represente o povo, é urgente começarmos a trabalhar para uma nova cultura, para que neste novo órgão tenhamos parlamentares comprometidos com a construção do Mercosul e de sua soberania. Que façam a defesa do bloco, inclusive contrariando, às vezes, os interesses de seu próprio país.

Também é necessário superar a cultura da exclusão. Para tanto, entre outras medidas, é preciso dar início imediato, por exemplo, ao debate de reserva de cotas para as mulheres e por etnia no futuro Parlamento do Mercosul.

Dr. Rosinha é médico pediatra e sanitarista, deputado federal (PT-PR) e secretário-geral da Comissão do Mercosul do Congresso Nacional.

dr.rosinha@terra.com.brwww.drrosinha.com.br

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