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Direito é aquilo que não se pode tirar de alguém. Alguns são particulares, devido à condição de uma pessoa: um pai tem o direito de educar seu filho, por exemplo. Outros são comuns a toda a humanidade: são os direitos humanos, direitos inalienáveis devidos à própria condição humana. Entre eles podemos contar o direito à vida – não se pode tirar a vida de outrem – e o direito à propriedade – não se pode tomar o que tem dono.

Crianças mimadas, contudo, tendem a ampliar o que percebem como seus direitos, confundindo-os com seus desejos e caprichos. Um fedelho mal-educado tem certeza de que tem direito às balas que vê na padaria, e esperneia, gritando – violando o direito dos outros ao sossego – em busca do seu "direito".

O atual (des)governo brasileiro parece ter a maturidade dos monstrinhos de padaria, confundindo seus caprichos políticos e devaneios distópicos com direitos humanos. Ao invés de se preocupar com a promoção dos direitos humanos reais, que existem desde sempre e existirão enquanto houver seres humanos, ele os nega em nome, paradoxalmente, dos "Direitos Humanos".

O direito à vida é negado ao definir como "direito humano" o assassinato de crianças no ventre da mãe. O direito à propriedade é negado ao incluir no plano governamental a "desapropriação de áreas pelo descumprimento da função social plena" – plenitude esta definida por burocratas e militantes do MST.

O revanchismo contra os militares que procuraram – pela força e com abusos frequentes, é verdade – impedir a instauração da ditadura totalitária com que muitos atuais membros do governo sonhavam nos anos 70 também é incluído no berreiro e na lista de exigências da criança malcriada. A extensão da lavagem de roupa suja aos que jogaram bombas e mataram inocentes, do outro lado da guerra suja, todavia, faz com que o pivetinho faça bico e ameace prender a respiração até ficar roxo.

O Plano Nacional de Direitos Humanos é um plano – no sentido em que é um plano do monstrenguinho come-balas comer todas as balas do mundo. Contudo, ele certamente não é nacional, já que muitas das ideias que o orientam são invenções recentes vindas do exterior, abertamente contrárias ao pensamento do povo brasileiro. Muito menos ajudaria ele a preservar direitos humanos reais, por mais vaga e ampla que seja a sua definição.

Trata-se, ao contrário, de uma tentativa de criar literalmente por decreto a distopia dos sonhos da elite ora governante. Em um país cuja Constituição trata de questiúnculas que deveriam no máximo ser objeto de lei municipal, levando o microgerenciamento ao absurdo, o tal Plano bate o recorde. Se posto em prática, este governo e os subsequentes assumiriam compromissos contrários aos direitos humanos reais e aos padrões éticos da esmagadora maioria da população brasileira; o Estado brasileiro estaria na prática declarando guerra ao próprio povo.

Houve quem dissesse que este plano seria uma "Constituição" do governo atual, um pouco como o livretinho que o ditador de opereta que ora oprime a Venezuela carrega no bolso e já mandou emendar algumas vezes. Mas não. É pior que isso, na medida em que uma Constituição precisa ser minimamente aplicável para que possa ser usada. É um berro, um esperneio de criança mimada que crê ser obrigação de quem a rodeia saciar seus desejos mais absurdos, construir a distopia com que sonha. É o moleque mimado que exige todas as balas do mundo, que quer arrancar o doce da mão do próximo, quer matar o cachorrinho que latiu ao vê-lo urrar. É a apresentação como meta de uma distopia tão absurda, que mais valeria revogar por decreto a lei da gravidade.

Só o que me tranquiliza é saber que eles não têm competência para ir muito longe na construção de sua distopia. Não creio ser temerário prever que, se este bestialógico for adiante, daqui a algumas décadas o Estado terá se tornado algo irrelevante. Ficarão eles lá nos palácios decretando que as cobras virarão mariposas, enquanto a vida continua, sem que se os note, no resto do país.

Carlos Ramalhete é filósofo.

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