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Dentre tantas possibilidades para se referir a uma cidade, em se tratando de Curitiba, uma maneira seria "cidade das tradições". Tradição da elite tradicional, das famílias tradicionais, dos restaurantes tradicionais, dos estigmas tradicionais. Tradição do mau humor tradicional, do "tempinho" chuvoso tradicional, do tradicional esvaziamento da cidade nos feriados. Tradição das personalidades tradicionais, dos políticos tradicionais, dos planejadores tradicionais, dos sistemas tradicionais. Tradição do BRT tradicional, do consórcio de transporte público coletivo tradicional, do zoneamento tradicional.

O sistema de transporte público coletivo é tradicional. Desde 1974, quando o sistema BRT entrou em operação em Curitiba, poucas mudanças (e, consequentemente, melhorias) foram feitas de lá para cá. Claro, ocorreram alterações pontuais, mas, em linhas gerais, as canaletas são as mesmas, os tubos são os mesmos, a não integração com outros modais é a mesma. Ao mesmo tempo, a manutenção dos órgãos tradicionais de planejamento do município é garantida, ano após ano, ainda que o contexto urbano revele, dia após dia, sua saturação. Face ao estigma instaurado, não há quem arrisque romper com a tradição e ouse em mudanças que vão ao encontro ao desenvolvimento clamado pela dinâmica urbana saturada. Até porque é tradicional também a dificuldade do curitibano em aceitar e se adaptar a mudanças (quem se lembra, por exemplo, dos rebuliços decorrentes da transformação da Rua XV, em 1972, em via pública exclusiva para pedestres?).

Nada contra as tradições, desde que elas não nos prendam no passado. Para que haja desenvolvimento é preciso mudar, romper, transformar. Analisar o que foi instaurado e melhorar. Converter erros e viabilizar acertos. Fomentar novas ideias e propiciar o novo compatível com demandas atuais. Modernizar. Implementar medidas que atendam às novas necessidades.

Há alguns dias, parte da população curitibana tem ficado incomodada com as notícias anunciadas para o transporte público coletivo da capital do estado. Na "cidade das tradições", o estranhamento a mudanças já era de se esperar. A partir do dia 1.º de agosto, só será possível pagar a tarifa para utilização dos micro-ônibus por meio do cartão-transporte. Tal medida não só acaba com o acúmulo de funções do motorista (que, no sistema tradicional implantado, além da condução do modal era o responsável, igualmente, pela cobrança do passe) como também facilita o monitoramento, publicidade, controle e gestão do sistema. Não obstante, além de poder auxiliar na avaliação qualitativa e quantitativa da rede (dentre outros elementos), a medida tornará mais fácil a integração com outros modais (como bicicleta e metrô) – quando a barreira tradicional de exclusividade do BRT for superada.

Sim, mudanças são dolorosas, novidades nem sempre são simpáticas (ao menos em um primeiro momento) e aceitar que o time que está jogando não é o melhor não é fácil. Nossa seleção que o diga! Mas, assim como perder em casa, por 7 a 1, nos garantiu que finalmente podemos ser todas as outras coisas que quisermos e ousarmos ser, e não mais apenas o "país do futebol", que consigamos absorver da mesma forma que, em se tratando de mobilidade – e, consequentemente, de transporte público coletivo –, Curitiba está ficando para trás.

Santiago e Bogotá já utilizam o sistema de "cartão-transporte", da forma como será implantado em Curitiba, há anos. A aquisição do passe fora dos diferentes modais já é usual na maioria dos países europeus (se não em todos). A aderência a novas tecnologias para a integração e gestão do trânsito e transportes é crescente em grande parte dos centros urbanos do mundo. A ampliação da oferta de variados modais – e não apenas um, como acontece por aqui – para o deslocamento tem se tornado cada vez mais comum. Em suma, se a aceitação da nova condição nos micro-ônibus curitibanos não for pela melhoria da mobilidade, que seja, então, pela tradicional busca em se assemelhar aos países mais desenvolvidos.

Débora Follador, doutoranda em Gestão Urbana na PUCPR, é arquiteta urbanista da Ambiens Sociedade Cooperativa.

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