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Aprendi, já no início de minha formação como médico veterinário, que há três funções principais para um zoológico justificar sua existência. A primeira é a educação. Um espaço para as pessoas terem oportunidade de acesso a informações que demonstrem a importância da conservação da natureza a partir da exuberância de exemplares da fauna, em recintos cuidadosamente destinados a tal finalidade. Uma segunda razão é o conhecimento científico. São enormes as possibilidades de avanços para agregar informações sobre comportamento, saúde, dieta e reprodução de espécies que vivem em cativeiro. Além disso, esforços de reprodução podem estar atrelados a ações de reintrodução das espécies ameaçadas em áreas de ocorrência natural. Por fim, o lazer representa a última função para os zoológicos existirem. São espaços destinados à contemplação que atraem milhares de cidadãos dispostos a distrair-se no tempo livre. Não por acaso, o lazer é um fator de menor relevância se comparado aos objetivos de educação e pesquisa. Um zoológico, dentro de padrões adequados, custa muito caro para servir apenas de diversão e não se justifica se for apenas esse o interesse pretendido.

Não deve representar nenhuma surpresa verificar que, no Brasil, como em muitos outros países, a pretensão de se manter animais enjaulados – como ocorre em circos, onde a prática ainda é aceita – inverte sistematicamente esses valores. Pior: com poucas exceções, há uma evidente discriminação com outros usos que não sejam o da disposição de espécimes para cumprir a função de exposição para o divertimento público.

Há padrões rigorosos para a construção de recintos para receber cada espécie, e seu manejo é sempre um grande desafio de técnica e conhecimento. Tudo isso representa um custo bastante significativo. Ocorre que esses fatores tão óbvios suscitam um erro recorrente de gestores públicos, que, por alguma razão, sonham em ter seu próprio zoológico.

Na prática, as estruturas acabam ficando aquém dos padrões por falta de verbas. Ou também por falta de critérios técnicos. O mesmo ocorre com os procedimentos de manejo desses animais. Cabe aqui ressaltar as condições de espaço muito limitadas do recinto do tigre envolvido na lastimável ocorrência de dias atrás em Cascavel. Independentemente do que aconteceu, vale lembrar que esses animais passam a vida confinados em ambientes que, na maioria das vezes, estão bem distantes das condições mínimas aceitáveis. E, se licenças dos órgãos responsáveis pelo controle da atividade mesmo assim são concedidas, o problema é ainda mais sério.

Enquanto países como o nosso não entenderem que precisam realizar investimentos sérios em zoológicos e criadouros, e enquanto continuarem parcimoniosos com intenções equivocadas, estaremos desperdiçando ricas oportunidades de educar pessoas e ampliar nosso conhecimento sobre a fauna selvagem e a conservação da natureza, além de abrirmos espaços para sustentar a continuidade de todo tipo de maus-tratos, diariamente observados em muitos desses locais.

As estruturas que se limitam a vitrines deveriam ser adequadas aos princípios técnicos exigidos e cumprir suas funções de maneira exemplar. Ou, caso contrário, fechar suas portas, para o bem dos animais e para o bem dos cidadãos. O pai e o menino foram ao zoológico com o único intuito de buscar diversão, nada mais. Um flagrante de equívoco conceitual, dividido com boa parte da população. E que lhes custou muito caro.

Clóvis Borges, médico veterinário e mestre em Zoologia pela UFPR, é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

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