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As informações sobre a evolução e o valor do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro entre janeiro e março de 2006, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmaram a trajetória de recuperação da economia, retomada no último trimestre de 2005, e o deslocamento do eixo dinâmico do mercado externo para a demanda doméstica.

De fato, se, de um lado, a sobrevalorização da taxa de câmbio suprimiu parcela expressiva da rentabilidade das exportações e favoreceu as importações, de outro, a flexibilização monetária (redução dos juros e acréscimo da oferta de crédito) e fiscal (elevação dos dispêndios públicos acoplada ao calendário eleitoral) e a ampliação da massa de salários (emprego e salário real) devolveram fôlego à fração do mercado interno atrelada ao consumo, ao investimento e à construção civil.

O PIB do país cresceu 3,4% no primeiro trimestre, em comparação com o mesmo período de 2005, alcançando a soma de R$ 478,9 bilhões, puxado pela formação bruta de capital fixo, ou taxa de investimento (9,0%), e pelo consumo das famílias (4,0%). A expressiva variação do investimento esteve ligada à reação da construção civil e das importações de máquinas e equipamentos, inclusive em substituição às compras no mercado interno em virtude do câmbio baixo. Já o acréscimo nos níveis de consumo derivou do alargamento do volume total de salários reais (5,0%) e do crédito às pessoas físicas (35,0%).

Enquanto isso, os gastos do governo exibiram incremento de 1,6%, com forte presença dos programas de transferência de renda que, centrados na Bolsa-Família, passaram de 0,2% do PIB em 2002, último ano do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), para 0,5% em 2005.

O sinal do comércio exterior exibiu uma inversão de tendência, marcada pela perda de fôlego das exportações (+9,3% contra +13,6% no primeiro trimestre de 2005), cada vez mais concentradas em um reduzido número de grandes empresas e de produtos, e o salto das importações (+16,0% versus +12,2% nos primeiros três meses de 2005), sendo a primeira vez desde o último trimestre de 2003 que as compras superaram as vendas externas, comandadas por produtos metalúrgicos, siderúrgicos, materiais elétricos e equipamentos eletrônicos.

A continuidade do curso de reativação da economia brasileira no restante de 2006 parece assegurada pelos efeitos expansionistas atrelados à concatenação entre impulsão da massa salarial (capitaneada pelo salário mínimo), e à sobreposição verificada entre a copa do mundo e o ciclo eleitoral. Entretanto, convém ter presente tratar-se ainda de um movimento amparado em fatores pontuais e transitórios, obedecendo à lógica da imagem e semelhança dos costumeiros vôos de galinha, vividos pelo Brasil no transcorrer dos últimos 25 anos.

Mais que isso, o panorama econômico tem se revelado bastante heterogêneo, fruto da arrancada de alguns segmentos mais articulados ao mercado interno, limitados pela capacidade de endividamento da população, e da fragilização de atividades direcionadas ao comércio internacional em razão da apreciação cambial. Não por acaso, a expansão brasileira de 3,4% continua bastante abaixo de emergentes como a China (10,3%), Venezuela (9,4%), Índia (9,3%), Argentina (8,6%), Coréia do Sul (6,2%), México (5,5%), Indonésia (4,6%), Chile (4,6%), Rússia (4,6%) e Espanha (3,5%) e mesmo dos Estados Unidos (3,6%).

Depois da redução da taxa básica de juros (Selic) para 15,25% ao ano, na reunião do final de maio do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o preço real do dinheiro no mercado interbancário e na rolagem da explosiva dívida pública no Brasil permaneceu no topo do ranking mundial (10,6% a.a.), contra (6,7% a.a. de Cingapura), 5,8% a.a. e 4,3% a.a. da Turquia.

Tal fardo financeiro exige a geração de enormes superávits fiscais primários do setor público e, por extensão, a manutenção de uma carga tributária, acima de 38% do PIB, superando em 14 pontos porcentuais a capacidade de suporte da sociedade (trabalhadores, consumidores e empresários), estimada em 24% do PIB, em um contexto de engessamento dos dispêndios públicos correntes.

Daí que, a transformação da atual fase de recuperação conjuntural em crescimento econômico estrutural depende do grau de convencimento dos atores sociais acerca do fortalecimento do arsenal de defesas do país diante das turbulências externas – como a subida dos juros e a queda de liquidez externa por conta da ascensão da inflação nos Estados Unidos –, construído pela política macroeconômica, e da existência de propostas políticas capazes de viabilizar a implantação de um programa dirigido prioritariamente ao longo prazo pelo futuro presidente da República, incluindo as reformas estruturais (especialmente tributária, fiscal, financeira, política e do Judiciário) e a instituição de mecanismos de controle de fluxos de capitais voláteis.

Nesse sentido, supor a existência de uma couraça de proteção contra incidentes financeiros exógenos, atestada pela melhoria dos indicadores externos brasileiros durante a fase de bonança, vivida entre 2003 e 2005, representa uma recusa em enxergar a simultânea impulsão dos dispêndios públicos e a compressão dos investimentos no país, notadamente em infra-estrutura e inovação, o que resultou em deterioração das condições de competitividade externa e da capacidade de expansão futura de um sistema econômico que, conforme os argumentos dos palacianos de plantão, estaria pronto para crescer.

Na realidade, seduzido pelos encantos e prazeres oferecidos por uma espécie de "ilha da fantasia", o Ministério da Fazenda e o Banco Central vêm esquecendo de fazer a tarefa de casa, traduzida na perseguição de marchas concatenadas de diminuição dos juros e de depreciação cambial, sob pena de anular as iniciativas de diversificação de produtos e de mercados no exterior, empreendidas pela iniciativa privada, depois do realismo cambial praticado desde janeiro de 1999, e reforçado em 2002, ainda que este último episódio tenha ocorrido sob forte influência do panorama eleitoral de risco desenhado na ocasião.

No que tange às proposições de longa maturação, até aqui os acenos de situação e oposição não permitem vislumbrar qualquer avanço significativo, a não ser a promessa de redução dos juros e de prosseguimento dos programas sociais.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário.

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