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Só espero que, em meio a tanta modernidade, minha neta seja capaz de guardar alguns valores eternos: o respeito ao próximo, a compaixão, a capacidade de crer, de se indignar e de se emocionar

Voltei de Garmisch-Partenkirchen, uma cidadezinha alemã de 30 mil habitantes na Baviera, próxima da fronteira da Áustria. Imagine-se em um cartão-postal em 3D ou incorpore-se em Julie Andrews cantando The Sound of Music no alto das montanhas do Tirol e você já entendeu tudo.

A organização é absoluta, os jardins e as pastagens são manicuradas, as ruas não têm pichações nem prédios decadentes, nenhum papel na rua. Se você tem um carro e não o lava regularmente, será multado pela prefeitura, e dispor do lixo é uma romaria interminável: se for orgânico, deve ser colocado em um lugar; se for papel, em outro. Itens grandes têm de ser levados a um centro de reciclagem, onde há diferentes compartimentos para metais, plásticos, materiais eletrônicos, madeiras, etc. etc. etc. O problema acontece quando você tem em mãos um eletrodoméstico de plástico com um motorzinho elétrico ou um radinho de pilha, que é eletrônico, plástico, metal, tudo ao mesmo tempo. Para minha sorte havia um compartimento para miscelânea, onde discretamente me livrei de todas essas complicações.

O último crime acontecido na cidade foi uma briga entre soldados americanos aquartelados em Garmisch (ainda os há, embora poucos, 66 anos depois do final da Segunda Guerra) e uns habitantes locais em um clube noturno, o que levou os superzelosos ianques a fazerem um alerta aos turistas americanos para o risco de represálias na cidade, as quais obviamente não aconteceram.

Antes de voltar ao Brasil, pensei em fazer uma escala de descompressão, como aquela que os mergulhadores fazem quando voltam de um mergulho profundo e permanecem em uma câmara especial antes de voltar à superfície: e assim, comprei uma passagem para a Itália.

Por que estou falando de tudo isso, mais adequado a um blog de variedades turísticas? Tudo pretexto para contar que, na belíssima Garmisch, nasceu a gloriosa Ana Clara, nossa neta. O bom Deus já colocou Sua mão sobre ela, pois teve um nascimento conturbado, mas depois de 15 dias em uma UTI neonatal de ultimíssima geração em um hospital público, foi para casa mais faceira do que gordo de camiseta, como dizem os gaúchos. Teve também uma sorte, o de não carregar a vida toda um daqueles nomes da mitologia teutônica, wagnerianos, ou cheio de consoantes, correndo apenas o risco de ser chamada de Rana Clarra. Não que eu tenha qualquer coisa contra nomes teutônicos, mas sendo um Belmiro, nascido antes de Pelé consagrar o estádio do Santos, sei como é chato estar explicando: "Não, não é Delmiro....nem Elmiro... também não é Valdomiro, nem Teomiro..." Fui chamado de tantos nomes, que Levy Contim Ribeiro, meu querido amigo e chefe de gabinete na Secretaria de Planejamento, fez uma coleção de envelopes e de cartas recebidas com mais de 80 nomes diferentes.

Fico imaginando o mundo em que ela viverá: enquanto há uma geração o mundo era um arquipélago, agora é um mar único em que mais de 2 bilhões de pessoas estão integradas na economia global, 1 bilhão pertence às chamadas redes sociais, que desconhecem fronteiras culturais e barreiras, e outro bilhão se incorporará na próxima década. Obter informações sobre qualquer pessoa e qualquer assunto é apenas uma questão de googlar uma determinada palavra; o dinheiro físico está desaparecendo, trocado por cartões de plástico e agora por dinheiro lógico, representado por um crédito em um telefone celular. Aliás, telefones que fazem uma montanha de coisas, das quais a última é telefonar e são plataformas de comunicação cada vez mais poderosas e mais importantes na vida das pessoas. Novas profissões estão nascendo, enquanto que muitas outras perderam a razão de existir.

Só espero que, em meio a tanta modernidade, ela seja capaz de guardar alguns valores eternos: o respeito ao próximo, a compaixão, a capacidade de crer, de se indignar e de se emocionar. E, apesar de toda a globalização, de se orgulhar de suas duas pátrias: da sua mutterland e da nossa Terra Brasilis, Pindorama, abençoada por Deus e bonita por natureza.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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