Transcorridos mais de 20 anos da Constituição de 1988, é chegada a hora de efetiva implantação da Defensoria Pública no país, com o objetivo de consolidar uma Política Nacional de Acesso a Direitos
A Constituição Federal estabelece que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Contudo, a consolidação de uma democracia parte não apenas da alternância dos mandatários dos Poderes Executivo e Legislativo, mas também com políticas públicas que viabilizem o acesso ao Poder Judiciário.
Dito de outro modo, pode-se falar em efetiva democracia quando as portas dos Tribunais do país estão abertas não só àqueles que podem contratar os préstimos de um advogado, mas principalmente quando há mecanismos que permitem que a população carente, que os grupos vulneráveis, que as pessoas desafortunadas possam "bater" às portas dos tribunais.
Preocupada com uma política pública de democratização do Poder Judiciário, a Constituição Federal atribuiu ao Estado a obrigatoriedade de prestar assistência jurídica pública, por intermédio da Defensoria Pública. Cabe, neste ponto, analisar a natureza e amplitude dessa garantia constitucional.
Assistência jurídica pública, durante o Estado Liberal que era pautado num contexto individualista, era mera concessão do Estado e servia apenas para manter a marcha processual, ou melhor, para legitimar condenações. Quer dizer, não passava de mera caridade.
As condições históricas mudaram e, já na Constituição de 1934, a assistência jurídica foi eleita não como mera concessão, mas como um direito.
Entrementes, foi a partir da Constituição de 1988 que, pela primeira vez, houve a preocupação em denominar uma instituição pública como responsável por tal política pública de acesso a direitos. Elegeu-se a Defensoria Pública e se impôs ao Estado aparelhar a instituição de modo a trazer cidadania à população carente do país.
Quer dizer, portanto, que a Constituição atual, além de elencar a assistência jurídica pública como direito fundamental, atribuiu tal mister ao Estado que deve estar voltado para uma política social de acesso a direitos.
Transcorridos mais de 20 anos da Constituição de 1988, é chegada a hora de efetiva implantação da Defensoria Pública no país, com o objetivo de consolidar uma Política Nacional de Acesso a Direitos, democratizando assim o Poder Judiciário e permitindo que todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua condição social, raça, cor ou etnia, possa se socorrer de um magistrado.
No âmbito federal, apesar de se reconhecer os avanços sentidos nos últimos anos, a Defensoria Pública da União conta tão somente com 350 defensores públicos federais para atender a população carente do país que, segundo dados do Ministério da Justiça, ultrapassam 130 milhões de pessoas.
Esses 350 defensores públicos federais têm a incumbência de prestar assistência à população carente na Justiça Federal, onde há mais de 1.500 juízes; nos cinco Tribunais Regionais Federais; nas Varas Trabalhistas onde existem 3 mil juízes do trabalho; TRTs; isso sem contar a Justiça Eleitoral, a Justiça Militar da União e os Tribunais Superiores.
Dessa disparidade de armas quem sofre é a população carente e os grupos vulneráveis, o que deflui uma mensagem muito nítida: Defensoria Pública não é prioridade no país.
Além do âmbito federal, calha lembrar que no âmbito estadual a realidade não é muito diferente, pois três entes federados: Paraná, Santa Catarina e Goiás, sequer implantaram a instituição.
É bem verdade que, com a mudança de governador no mês de abril, no estado do Paraná, o novo chefe do Poder Executivo já deu sinais de que pretende cumprir a Constituição e implantar a Defensoria ainda neste ano. Bastou vontade política de superar uma omissão que ultrapassa 20 anos.
Portanto, proponho uma reflexão à sociedade e mais ainda, aos candidatos a mandatos eletivos: é chegada a hora de se consolidar uma Política Nacional de Acesso aos Direitos, como forma de efetivar a democracia no país e permitir que todo brasileiro possa ter acesso à orientação jurídica e, quando necessário, socorrer-se do Poder Judiciário.
Luciano Borges dos Santos é presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef).
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