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Na década de 70, participei de uma campanha publicitária de rádio para o Bamerindus. O tema central homenageava cidades, lugares, bairros e pessoas pitorescas do Brasil. O banco ocupava novos territórios a olhos vistos. A comunicação era tratada com extremo cuidado, orientação do mestre em estratégia Sérgio Reis. A campanha de que falo se compunha por dezenas de textos, exaustivamente garimpados em minuciosas pesquisas de campo. Trabalho realizado por quatro historiadores profissionais.

Na ocasião, tive o privilégio de ouvir histórias maravilhosas. Um dia, a Tereza de Souza – coordenadora das pesquisas - me disse: "Olha só o que um dos meninos descobriu." Ela chamava todo mundo de menino. "Que o bairro Bacacheri da tua cidade tem este nome em função uma francesa que lá morava. Ela tinha uma vaca e todas as tardes, na hora de recolher os animais, saía pelos campos e ruas chamando a vaca: "Baca! Baca! Chérie!" ("querida" em francês). A história, de tão boa, foi para o ar. Desde então, de vez em quando, escuto a repetição dessa provável lenda urbana. Há pouco tempo, um vereador propôs a construção de um portal ou uma estátua em louvor à vaca fujona. Discordo. Uma estátua de vaca na mão de um bom escultor pode se transformar em uma obra de arte, em mãos inábeis virar um monstrengo de mau gosto, uma coisa disforme e horrorosa. Realizar uma escultura de vaca – cuja estética não é boa para ser trabalhada – é caminhar num fio de navalha. Um detalhe fora do lugar e a homenageada irá do sublime ao grotesco, rapidamente. Como a escolha de tais artistas normalmente é política e não pela habilidade do autor, o perigo de haver alguma coisa horrenda enfeando a nossa cidade é grande.

Além disso, o bairro já é bem servido de monumentos. Temos o avião a jato em frente à Base Aérea e o templo Rosacruz. Sugiro que, em vez da singela estátua de vaca, se gaste com coisa mais útil. Que tal perguntar para a população local o que ela quer? Temos de ponderar, também, que vacas e bois não estão no imaginário nem na economia local para se candidatar a nos representar como símbolo mítico. Não temos uma "bacia leiteira", nem somos ligados à criação ou ao comércio de grandes boiadas, como em Maringá ou Paranavaí – algo que possa justificar a boa intenção do vereador. De gado só temos a lembrança de quando Curitiba foi peça-chave no tropeirismo, assim mesmo como agente financeira. Resta também recordar, de amarga memória, a experiência sobre o péssimo comportamento do curitibano com o movimento Cow Parade, o das esculturas de vacas nas ruas. Performance artística que deu certo no mundo inteiro, menos aqui. Então, vamos nos precaver contra os ruminantes, pois não temos muita intimidade com eles.

Aproveitando o assunto, que tal olhar para alguns monumentos e portais da cidade para verificar seus estados de manutenção: o de Santa Felicidade está sempre limpo, o da Av. das Torres, aquele com uma folha vazada, muitas vezes está com o espelho d’água seco, mas se mantém limpo. Em compensação, o portal que homenageia a colônia polonesa, na Rua Mateus Leme, é de dar pena, tal o desleixo. Os descendentes de poloneses de Curitiba deveriam exigir pronto reparo. Não basta criar leis e impor a construção de monumentos, é necessário cuidado e manutenção.

Voltando à vaca fria, é preciso atenção quanto à estética de certas boas intenções, pois monumentos como os da Praça Fernando Pessoa, no Jardim Schaffer, a estátua do Papa no interior do parque que lhe dá nome, são uma afronta ao bom gosto. Agora, sobre a historinha da vaca Chérie não importa se ela é verdadeira ou não, o que importa é que é uma boa história. É para isto que elas servem: criar senso de pertencimento. Se eu morasse no Bacacheri gostaria de contar essa lenda sempre, mas sem uma vaca-monstro para ter que explicar aos amigos visitantes "porque aquela coisa horrorosa está ali".

Eloi Zanetti é consultor em marketing e comunicação corporativa.eloizanetti@terra.com.br

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