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O Brasil vive um paradoxo institucional: enquanto o Congresso se apequena diante de temas decisivos, o Supremo Tribunal Federal ocupa o centro do palco político. Não se trata apenas de julgar processos, mas de ditar agendas, interferir em políticas públicas e, muitas vezes, assumir papéis que a Constituição reservou a outros poderes. Esse protagonismo judicial, alimentado pelo silêncio parlamentar, transformou ministros do STF em atores políticos de primeira grandeza.
Não é novidade que o STF monopoliza manchetes e debates acalorados nas mais variadas rodas de conversa. Falas, condutas e decisões de ministros seguem sendo destaque nos principais veículos de comunicação do mundo. Contudo, chama atenção o ineditismo de decisões monocráticas e inquéritos como o do “fim do mundo” e o da “trama golpista”, conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes.
Enquanto a democracia brasileira se mantiver tensionada e nossos representantes eleitos se omitirem de suas responsabilidades constitucionais, os ministros do Poder Judiciário seguirão se comportando como atores políticos que, como em um jogo de cartas, continuarão ditando os rumos
À luz de democracias plenas, esperar-se-ia que embates políticos fossem conduzidos pelo Congresso Nacional, representante direto da vontade popular, como previa Montesquieu. O que se vê, no entanto, é uma reiterada omissão do poder legislativo em defender sua prerrogativa de legislar, constantemente atacada em decisões judiciais relevantes, como o aumento do IOF e a regulamentação das mídias sociais. Esse fato ocorre, em parte, pela constatação de um vácuo de poder deixado pelos próprios políticos, muitas vezes lenientes com o fisiologismo e avessos à exposição de ideias contraditórias ao status quo instituído. Ademais, essa subserviência do legislativo brasileiro é responsável por reforçar figuras combativas como Alexandre de Moraes que, se estivesse jogando pôquer, certamente seria considerado o “dealer” da mesa.
A novidade encontra-se na abertura da próxima carta – que se personifica na atuação recente do também ministro do STF, André Mendonça. Último indicado por Jair Bolsonaro, Mendonça parece ter percebido a oportunidade de comprovar um dos dogmas cruciais do marketing político: não existe, sob nenhuma hipótese, a possibilidade de manutenção de um vácuo de poder. Em outras palavras, se os parlamentares não são capazes de antagonizar os ministros, vemos a própria Corte tomando para si esse embate.
Exemplos disso são as várias discussões, eventos e entrevistas recentes em que Alexandre de Moraes tem advogado por uma Corte imponente que, segundo ele, garante a efetivação de direitos fundamentais. Atribuindo o século XXI ao Judiciário, Moraes legitima sua atuação e seu potencial de interferência sobre outros poderes. Mendonça, por outro lado, defende que o Judiciário não pode se impor pelo medo, mas pelo respeito a valores como a liberdade de expressão e as prerrogativas do direito. Ademais, vem apontando interferências exacerbadas em julgamentos recentes e em decisões monocráticas de juízes.
O conflito entre os dois togados exprime mais do que uma diferença fundamental quanto aos limites de atuação do Judiciário e aos seus preceitos constitucionais. A oposição entre seus discursos retrata com perfeição a dicotomia que vivemos na arena política brasileira e, por conseguinte, na sociedade como um todo. Em outras palavras, assistimos ao ineditismo de uma disputa política sem precedentes, protagonizada inteiramente por indivíduos sem voto para tal.
Quando juízes assumem protagonismo político, o Congresso, eleito com o voto popular para legislar e conduzir o leme do barco, silencia. Para a classe política, em um contexto generalista, pouco muda, afinal o jogo de poder por influência e persuasão na sociedade segue inabalável. Entretanto, a consequência dessa omissão é um imenso vácuo que – como o STF e a própria história política nos mostram – não permanece aberto por muito tempo.
Sendo assim, enquanto a democracia brasileira se mantiver tensionada e nossos representantes eleitos se omitirem de suas responsabilidades constitucionais, os ministros do Poder Judiciário seguirão se comportando como atores políticos que, como em um jogo de cartas, continuarão ditando os rumos das próximas rodadas.
Vinicius Bubols é presidente do Instituto Atlantos e coordenador do Students for Liberty Brasil.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



