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Os aeroportos são um caso e um caos à parte e também não é necessário ter um Ph.D. em física quântica para ver que estamos em marcha batida para o colapso total. O colapso virtual já está implantado há muito tempo

Já contei essa história aqui mesmo, mas vou contar de novo. Primeiro porque é muito divertida, segundo porque cabe como uma luva para descrever nossos preparativos para a Copa do Mundo.

Nos anos 60 do século 20, Miran Pirih era um deputado estadual eleito pela região de Nova Esperança. Como havia nascido na então Iugoslávia, vivia às turras com adversários políticos que queriam cassá-lo, alegando sua condição de não brasileiro. Num debate na tevê, um dos adversários esgrimiu sua sabedoria jurídica citando "o grande jurista Pontes de Miranda". Miran não se abalou, fez um ar de desprezo e rebateu com seu sotaque carregado: "Pontes de Mirranda, Pontes de Mirranda... grande fofoqueirro!"

Joseph Blatter, presidente da Fifa, diz que o Brasil está atrasadíssimo em seus preparativos para a Copa. E o ministro Orlando Silva, inabalável: "Joseph Blatter, Joseph Blatter, grande fofoqueirro!". Vem o Ipea, o órgão governamental (sic) mais qualificado na área dos estudos e pesquisas econômicas e sociais (pelo menos o era até ser "aparelhado" pelos companheiros) e diz a mesma coisa. Resposta: "Ipea, Ipea, grande fofoqueirro!".

Não é preciso ser nenhum gênio para entender que, realmente, os preparativos para a Copa, daqui a meros 37 meses estão quase na estaca zero. Não vou me referir ao caso de Curitiba, que é o símbolo mais completo e acabado do chamado "pensamento desiderativo", o wishful thinking, o pirandelliano "assim é se lhe parece". Nada ou quase nada está acontecendo, o tempo está passando, não há um esquema financeiro realmente estruturado, nem um projeto executivo digno desse nome, nada ou quase nada. E o Atlético Paranaense, diga-se de passagem, tem toda razão em não querer hipotecar seu futuro per omnia saecula, saeculorum se endividando até a alma para abrigar três jogos da Copa de 2014 na baixada. O problema é geral: São Paulo não tem um projeto definido, e os estádios que estão sendo reformados Brasil afora a peso de ouro e usando concreto feito com pedras de diamantes, a julgar pelos orçamentos das obras, estão todos atrasados. Talvez com exceção do Maracanã, onde se está gastando R$ 1 bilhão, quase 600 milhões de dólares para reformar o estádio, enquanto faltam UTIs, leitos, médicos e enfermeiros nos hospitais públicos.

Os aeroportos são um caso e um caos à parte e também não é necessário ter um Ph.D. em física quântica para ver que estamos em marcha batida para o colapso total. O colapso virtual já está implantado há muito tempo, com terminais entulhados de gente e bagagens, competindo com o mafuá de lojinhas e quiosques que tomaram o lugar dos passageiros, voos atrasados e cancelados, funcionários esbaforidos e baratinados, filas de embarque imensas. Enquanto isso, a Infraero e a Polícia Federal se esmeram em fiscalizar mi-nu-cio-sa-men-te (ou será mi-nu-ci-o-sa-men-te? Socorra-me professor Faraco) as bagagens de mão em procura de armas letais como tesourinhas de unha e guardachuvas, líquidos perigosíssimos como xampus em embalagens de mais de 100 ml. E fiscalizam cintos sinistros, dentro dos quais podem se esconder armas minúsculas, mas de alto poder de destruição.

Não vou bancar o implicante e lembrar, pela enésima vez, que governantes de estados que não têm uma rede de hospitais de emergência, nem de escolas públicas de mínima qualidade, como é o caso do Rio, do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Bahia e de Pernambuco, para ser piedoso com os demais, deveriam ter vergonha na cara e não gastar R$ 600 milhões ou mais em um estádio, como está acontecendo em todos eles. Mas essa é outra e penosa conversa.

Que vai acontecer? É claro que não passaremos vexame, porque na hora H, todas as portas se abrirão para que tudo fique pronto. Estudos de impacto ambiental serão feitos em dias, e não meses, concorrências serão dispensadas em nome da urgência e da emergência, puxadinhos de lona substituirão salas de espera. Mas que fazer se a honra nacional está em jogo? Daremos um jeitinho.

E assim, de jeitinho em jeitinho, nunca tomaremos jeito.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR

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