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Vídeos curtos, dopamina e polarização: o lado tóxico das redes

Redes sociais prejudicam atenção, aumentam ansiedade e reforçam polarização. Estudos mostram que plataformas incentivam vícios e hostilidade. (Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

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Muito se tem falado sobre os efeitos negativos que as redes sociais podem ter na saúde individual e naquilo que poderíamos chamar de saúde “social”. No entanto, devido à natureza multifatorial de ambas, não é fácil estabelecer relações causais que demonstrem claramente esses efeitos nocivos — pelo menos não de forma científica ou experimental.

Dois estudos recentes, porém, oferecem esse tipo de evidência ao debate e confirmam essas suspeitas. Ambos também agregam valor. O primeiro, referente aos efeitos do consumo de vídeos curtos sobre as habilidades cognitivas e a saúde psicológica, é uma meta-análise de 70 estudos anteriores e, portanto, ajuda a distinguir a tendência geral ou majoritária da complexidade dos resultados individuais, que muitas vezes são divergentes ou até mesmo contraditórios em alguns aspectos.

O segundo, que analisa como a polarização afetiva de uma pessoa (sentimentos em relação a pessoas com tendência política oposta) varia dependendo do tipo de conteúdo que ela vê em seu feed, representa o primeiro experimento “em tempo real” realizado manipulando o algoritmo das plataformas sem a colaboração delas.

Ambos chegam a conclusões preocupantes: reconhecem — como é correto — que o usuário é em grande parte culpado pelos efeitos negativos que as redes sociais podem ter sobre ele; mas sugerem — o segundo estudo de forma mais clara — que as redes sociais os incentivam devido à forma como são projetadas.

Vídeos curtos e o círculo vicioso da dopamina

O primeiro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Griffith (Austrália) e publicado no Boletim Psicológico da Associação Americana de Psicologia, analisa 70 estudos em busca da resposta para uma pergunta: como o consumo intensivo de vídeos curtos afeta a capacidade cognitiva de uma pessoa e a probabilidade de sofrer depressão, ansiedade, estresse ou solidão, entre outras condições psicológicas?

Esse tipo de vídeo vem ganhando cada vez mais espaço em diversas plataformas de mídia social. Embora o Vine tenha sido o primeiro a oferecê-los em 2012, o ponto de virada veio com o TikTok. Mais tarde, e provavelmente com a intenção de competir com essa rede, surgiram o Instagram Reels e, mais recentemente, o YouTube Shorts.

Os estudos publicados sobre seu efeito no cérebro apontam, em sua maioria, para uma influência negativa. No entanto, os autores da meta-análise observam que a literatura sobre o assunto apresenta inconsistências nas conclusões e algumas limitações importantes: tem dado grande atenção a certos indicadores (por exemplo, como a capacidade de controlar impulsos é afetada pelo consumo desse tipo de vídeo) e pouca a outros (a relação com o estresse ou a ansiedade), ou tem se concentrado quase exclusivamente no TikTok e em usuários adolescentes.

A meta-análise visa preencher essas lacunas. A que conclusões chegam os autores? Em relação à capacidade cognitiva, apontam que o consumo intensivo de vídeos curtos está significativamente relacionado a uma diminuição da capacidade de atenção e do controle dos impulsos; também, embora a correlação seja menos forte, à redução do desenvolvimento da linguagem e ao comprometimento da memória de trabalho, que permite o armazenamento de curto prazo de informações necessárias para a execução de tarefas complexas.

A pesquisa constatou uma correlação moderada entre o consumo intensivo de vídeos curtos e a probabilidade de sentir ansiedade e estresse

Isso corrobora a teoria do “círculo vicioso da dopamina”: assistir a esses vídeos um após o outro, em uma rolagem contínua, prejudica a capacidade de esforço intelectual prolongado, ao mesmo tempo que aumenta a sensibilidade e a impulsividade a estímulos recompensadores. Essa hipótese está de acordo com o que alguns estudos neurológicos também observaram: cérebros acostumados ao consumo intensivo de vídeos curtos apresentam menor atividade neuronal do que outros em tarefas que exigem atenção.

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Não apenas o TikTok, e não apenas os jovens

Como esperado, a meta-análise conclui que não há diferença no efeito desses vídeos dependendo da plataforma; não importa se são TikToks, Reels ou Shorts: o fator decisivo parece ser o formato e o design de rolagem infinita. O mais surpreendente é que o estudo também não encontrou diferenças com base na idade.

Os efeitos nocivos ocorrem, e com intensidade semelhante, tanto em adolescentes quanto em adultos. Em outras palavras, pelo menos nessa área, a neuroplasticidade reduzida dos cérebros mais velhos não parece ser uma barreira protetora contra os efeitos negativos.

Em relação à saúde mental, o estudo confirma uma correlação “moderada” (numa escala de forte–moderada–leve–nenhuma) entre o consumo intensivo de vídeos curtos e a probabilidade de sofrer ansiedade e estresse, e uma correlação “leve”, mas significativa, com depressão, solidão e qualidade do sono.

O que os autores não conseguem esclarecer — e, portanto, exige mais pesquisas — é a direção dos efeitos; ou seja, em que medida é o consumo desses vídeos que produz o dano ou, ao contrário, são as pessoas com problemas cognitivos ou psicológicos subjacentes (por exemplo, déficit de atenção ou tendência à ansiedade) que são mais propensas a consumi-los.

Os autores consideram provável, embora apontem que não há pesquisas suficientes para confirmar essa hipótese, que parte dos danos à saúde mental se deva a uma espécie de “efeito de contágio”.

Por exemplo, discutem um estudo que observou que jovens que assistiram a vários vídeos sobre síndrome de Tourette (um distúrbio neurológico que causa tiques) tinham maior probabilidade de desenvolver esses mesmos tiques do que aqueles que assistiram a outros conteúdos. Algo semelhante pode estar acontecendo com vídeos sobre ansiedade e outras condições psicológicas, bastante comuns em certos “ninhos” online.

Nesse sentido, os autores também consideram provável que o conteúdo dos vídeos e as características pessoais dos usuários sejam fatores tão determinantes — ou até mais — quanto a frequência de visualização desses vídeos.

Como exemplo, mencionam um estudo que mostrou que, entre jovens com estilos de vida ativos, o maior uso de redes sociais estava associado a mais exercícios físicos — provavelmente porque assistiam a muitos vídeos que promoviam esse estilo de vida —, enquanto o oposto ocorria entre aqueles sem esses hábitos.

Algoritmos que polarizam… ou despolarizam

O segundo estudo recente sobre o efeito das redes sociais centra-se na forma como o tipo de conteúdo que aparece no feed (especificamente da rede social X) produz diferentes emoções no usuário, podendo aumentar ou diminuir a chamada “polarização afetiva”; ou seja, o sentimento de distanciamento e hostilidade em relação àqueles que têm uma posição política oposta.

Enquanto o primeiro estudo analisou várias investigações, este se baseia em um único experimento, com uma amostra de 1.300 pessoas, todas americanas; mas as conclusões são muito interessantes.

Os autores, de diversas universidades americanas, usaram IA para identificar e classificar conteúdo com base no grau em que expressava “atitudes antidemocráticas e animosidade partidária” — em outras palavras, seu potencial polarizador.

Em seguida, utilizaram um plugin criado especificamente para o experimento que, ao ser inserido nos navegadores dos usuários, permitia “manipular” seus feeds do X (antigo Twitter) sem alterar o algoritmo da rede social. Criaram vários grupos: membros de um grupo viam um grande volume de conteúdo “inflamatório” no topo de seus feeds, enquanto membros de outro grupo o tinham oculto.

O feed do grupo de controle permaneceu inalterado. Ao longo da semana do experimento e nos dias subsequentes, os voluntários responderam a diversos questionários para mensurar o impacto.

O fato de o experimento ter sido conduzido sem a cooperação da rede social afetada não é insignificante. Em 2023, outro experimento semelhante foi realizado, mas a manipulação do feed ocorreu por meio de modificações no algoritmo, feitas por engenheiros da própria rede social (no caso, Facebook e Instagram).

Quando o algoritmo seleciona mensagens políticas agressivas, ele aumenta o sentimento de rejeição dos usuários em relação àqueles que têm opiniões opostas

As conclusões dos dois estudos são radicalmente opostas. Enquanto o estudo de 2023 não encontrou nenhum efeito da manipulação do feed, o estudo agora publicado na revista Science encontrou.

Especificamente, os autores descobriram que o grupo cujo feed foi polarizado artificialmente desenvolveu mais sentimentos negativos (raiva, tristeza) e hostilidade em relação àqueles com visões políticas opostas do que antes. O oposto ocorreu no grupo despolarizado: eles demonstraram mais calma e abertura em relação aos seus “rivais ideológicos”.

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Uma forma de desintoxicar as redes sociais

É verdade que os efeitos, em ambos os grupos, não foram grandes (dois pontos e meio em uma escala “emocional” de 100). No entanto, como apontam os autores, isso equivale ao aumento da polarização que ocorreu na sociedade americana nos últimos três anos.

O estudo apresenta outras limitações: em primeiro lugar, foi realizado apenas três meses antes da última eleição, um período de tensão política particularmente elevada no país; em segundo lugar, os participantes concordaram voluntariamente em ter seus feeds manipulados, o que pode ter excluído os pontos de vista mais radicais.

Ainda assim, como vários especialistas já apontaram, o estudo é muito interessante por diversos motivos. Primeiro, porque indica uma forma de “experimentar” com redes sociais de maneira semelhante à do algoritmo, mas sem a necessidade da aprovação das plataformas. Isso abre caminho para replicar o experimento em outras plataformas, países e grupos populacionais.

Em segundo lugar, porque a pesquisa mostra — embora não fosse o objetivo principal — que conteúdo mais polarizado gera um uso mais intensivo das redes, sendo plausível supor que essas plataformas tenham um incentivo econômico para promovê-lo.

Um aspecto positivo deste estudo, que também pode ser aplicado aos vídeos curtos, é que, ao destacar os danos que certos usos das redes sociais podem causar, ele também oferece uma maneira de reverter essa situação — ou seja, torná-las menos tóxicas. No entanto, dados os resultados, parece que isso terá de ser alcançado por meio de legislação, pois as plataformas não demonstram muito interesse em fazê-lo.

©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Más pruebas del poder tóxico de las redes: disolvente para la atención, gasolina para la polarización

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