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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Neste mês de dezembro, celebramos 40 anos do divórcio no Brasil, uma das maiores revoluções na trajetória das famílias brasileiras. Embora hoje esse instituto seja visto com naturalidade, a sua aprovação foi objeto de muita luta e considerada uma grande conquista para a época.

A possibilidade de dissolução total do casamento foi introduzida pela Lei 6.515, de 27 de dezembro de 1977. Até então, nossa legislação não permitia a extinção do vínculo do matrimônio: uma vez celebrado o casamento, ele não poderia ser totalmente desfeito. Percebe-se inegável influência religiosa na manutenção desta restrição até o último quarto do século passado. Como a vida em família é dinâmica e muitas vezes não se circunscreve às molduras legais, mesmo sob tal regime “indissolúvel” muitas pessoas casadas resolviam colocar fim à relação conjugal (colocando em prática o que se denominou de “separação de fato”).

A aprovação do divórcio não abalou a família e muito menos foi a morte das afetividades

Entretanto, antes de dezembro de 1977, tais situações que se manifestavam no plano fático não tinham reconhecimento jurídico, pois o desquite (único instituto que existia até então) não colocava fim total ao vínculo de matrimônio e, assim, não permitia que as pessoas estabelecessem um novo casamento. Em vista disso, por mais que estivessem separadas de fato ou desquitadas, essas pessoas não poderiam dissolver formalmente o vínculo anterior. Sem alternativa, os envolvidos em tal situação viviam as chamadas “relações ilegítimas” (concubinárias), que restavam sem respaldo jurídico e sob forte preconceito social. Com o nosso direito de família de então regido sob o paradigma da legitimidade, diversos relacionamentos familiares eram carimbados com a pecha da ilegitimidade.

O anacronismo foi uma das características do tratamento jurídico conferido aos relacionamentos familiares no fim do século passado. Nesse contexto, a legalização do divórcio no Brasil tirou da clandestinidade muitos relacionamentos, sendo uma regra de grande repercussão social. A partir da sua aprovação também se passou a sustentar uma igualdade dos filhos, isonomia agasalhada pela Constituição Federal de 1988, que foi o outro grande marco legislativo com profundo reflexo nas questões familiares.

É possível afirmar que a possibilidade jurídica do divórcio aproximou o direito de família brasileiro da realidade social, permitindo que situações que se apresentavam no plano fático fossem reconhecidas no plano jurídico. A partir de então, paulatinamente passou-se a adotar o paradigma da afetividade, grande vetor dos relacionamentos familiares contemporâneos.

O legado é negativo:Repensar o divórcio (artigo de André Gonçalves Fernandes, Ph.D. e juiz de direito)

Contrariando os alarmistas de então, a aprovação do divórcio não abalou a família, não gerou uma drástica redução no número de casamentos, e muito menos foi a morte das afetividades. Ao contrário! Com a possibilidade de se livrar de um relacionamento insatisfatório anterior, as pessoas passaram a poder estabelecer novas uniões (seja de matrimônio, seja de união estável), mantendo a família como célula relevante da sociedade. Em paralelo, o que os sociólogos da contemporaneidade destacam é que a possibilidade de desfazimento do vínculo a qualquer momento passa a exigir uma maior qualidade para a manutenção das relações afetivas.

Em tempos de “amor líquido”, é importante celebrar a conquista deste espaço de liberdade que foi consagrado com a aprovação do divórcio, pois volta e meia ainda surgem propostas disparatadas propondo intervenções desmedidas neste relevante campo privado. Por tudo isso, um viva a estas quatro décadas de relativa liberdade!

Ricardo Calderón, doutorando e mestre em Direito, é professor e autor de Princípio da afetividade no direito de família.
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