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Este é o nome do livro do ex-deputado Leo de Almeida Neves, em que descreve sua vida parlamentar e política a partir da década de quarenta, como observador privilegiado e protagonista tanto no plano estadual como no cenário nacional. Agora, na sua longa vivência, o ex-deputado pode agregar mais um fato de grande significação: sua posse na Academia Paranaense de Letras no último dia 18.

Ao tomar posse na Academia, em solenidade realizada no recinto que lhe foi familiar da Assembléia Legislativa, o Leo intelectual, autor de livros de análise da história contemporânea e de artigos regulares sobre a economia e a política brasileiras se reaproximou simbolicamente do Leo político, com forte atuação parlamentar, polêmica e afirmativa, mas que preservou em toda sua vida um elemento fundamental da polis reconhecido até por seus adversários: a capacidade de discordar sem agredir, e de conviver com antagonismos e antagonistas de maneira civilizada, de não recorrer a baixarias para obter ganhos eleitorais. Não é pouco em um país em que, como dizia Nelson Rodrigues, se vaia até minuto de silêncio.

O fato da posse ter ocorrido no Plenário da Assembléia, uma idéia do acadêmico René Dotti que foi acolhida com simpatia e entusiasmo pelo presidente da Casa, deputado Hermas Brandão, governador em exercício do estado, restabeleceu também uma vinculação entre a esfera política e o processo de construção nacional dos últimos setenta anos da qual a instituição política nacional parecia cada vez mais distante. Quem estuda a história recente do Paraná e do Brasil não pode deixar de constatar, não sem melancolia, que parece que as instituições políticas e a sociedade estão em crescente descompasso, como se fossem dois vizinhos que não se falam. Uma breve pesquisa retrospectiva dos setenta anos que nos separam do início do grande processo de modernização institucional no Brasil e de colonização no estado, ambos contemporâneos do empossado, permite relembrar momentos gloriosos: a ocupação territorial paranaense, a saga dos desbravadores do Norte, do Oeste e do Sudoeste transformando o que era floresta densa em um projeto viável de sociedade em menos de três gerações, a luta de Bento Munhoz da Rocha e das lideranças mais esclarecidas para restaurar a integridade territorial paranaense mutilada pelo Território do Iguaçu, o ocaso das velhas lideranças regionais, o surgimento do neysmo e das novas forças políticas, o truncamento, pela morte de Souza Naves, da ascensão trabalhista. Permite ainda relembrar o papel fundamental cumprido pelo aparelho estatal brasileiro para transformar uma sociedade agrária em uma grande economia industrial de massa, o que fez em menos de cinqüenta anos. Em todos esses episódios, a presença do parlamento como caixa de ressonância da sociedade que se formava.

Ao mesmo tempo, foi possível constatar o aparente amadurecimento brasileiro quando se observa que o Departamento de Ordem Política e Social, nos anos cinqüenta e sessenta, se dava ao trabalho de consignar a respeito de Leo bobagens do tipo "subscreveu manifesto contra o Acordo Militar Brasil–Estados Unidos; participou do comício contra a invasão da Baía dos Porcos e a favor de Fidel Castro; liderou greve de ferroviários; participou de homenagem ao senador Souza Naves, na Sociedade Duque de Caxias, pela ajuda na conquista de novo salário mínimo". Ou ainda que "possui um automóvel Chevrolet" para, em seguida, fazer uma retificação e declarar que "o automóvel não pertencia ao ‘prontuarizado’ e sim ao deputado Júlio Rocha Xavier". Esses assentamentos têm um caráter indiscutivelmente farsesco, mas a sensação de farsa não impediu que Leo tivesse seus direitos políticos cassados por dez anos por causa de tolices como aquelas.

É difícil imaginar alguém ser excluído da vida política atualmente porque tinha um automóvel Chevrolet. Difícil mas não impossível nesse clima em que todo o resto de compostura, que alguns quadros partidários ainda pareciam ter, vem sendo dizimado no jogo sujo dos dossiês, dinheiros mal explicados e das escutas telefônicas. Marx dizia que a história se repete: primeiro como tragédia, depois como farsa. Em um país tão estranho como o nosso, é bom ficar atento para que a farsa não preceda a tragédia.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado da FAE Business School em Organizações e Desenvolvimento.

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