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Você tem fome de quê?
| Foto: congerdesign/Pixabay

O título desse artigo remete à canção Comida, dos Titãs, grupo do rock brasileiro que fez muito sucesso nos anos 80 e faz até hoje. Em outro momento a letra diz “A gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer”. No entanto, os maus hábitos alimentares já se tornaram culturais em nossa sociedade e são eles que determinam como será a nossa vida. Mas isso não aconteceu por acaso. São décadas de propaganda tendenciosa com a conivência dos nossos gestores e que fizeram com que a população assimilasse informações passadas pela indústria dos alimentos, a maioria na direção contrária da alimentação saudável, como o consumo de refrigerantes, alimentos processados, álcool e tantos outros.

O que a maioria das pessoas, incluindo os profissionais de saúde, não sabe é que todo esse processo cujo único e exclusivo objetivo é o lucro não tem nada de aleatório. É tudo muito bem calculado, seja o odor, a cor, a consistência, o aspecto dos alimentos, tudo é pensado no sentido de induzir ao consumo e ao vício. Iniciativas essas que, alicerçadas em propagandas massivas pelos meios de comunicação, criam uma clientela cada dia mais fiel e, obviamente, mais doente. Mas isso não é problema: para que servem os antialérgicos, os corticoides, os analgésicos, os antidepressivos, os antidiabéticos, os anti-hipertensivos? Temos de prescrevê-los. Afinal, não podemos deixar à míngua nossa querida indústria farmacêutica, que sem doentes e doenças padeceria de males incuráveis.

Paralelamente, nos deparamos com uma realidade na qual o médico passa seis anos na universidade, muitos ainda cursam dois anos ou mais de residência e, em nenhum momento, temas cruciais no processo saúde/doença, como alimentação, emoção, sexualidade, atividade física, dor e tantos outros, são abordados de forma adequada, o que está bem de acordo com a realidade atual dos cursos médicos, em que os profissionais não são treinados a pensar e, sim, a prescrever: para cada doença, um medicamento ou um procedimento.

Num país em que os gestores são incapazes de dar conta de seus pacientes, a prevenção das doenças não é levada a sério. Na realidade, isso não é casual, mas causal; afinal, no sistema vigente, para que serve uma pessoa saudável? Parece nefasto e é.

A capacidade de uma alimentação equivocada em gerar doenças é enorme. Organismos internacionais e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) atestam, por exemplo, que 35% de todos os tipos de câncer existentes no mundo são gerados pela alimentação. O que nossos pacientes sabem a esse respeito? Existe alguma campanha para informá-los sobre essa realidade? Nossos profissionais de saúde têm base científica sólida a respeito, que os permitiria conscientizar seus pacientes?

Entre os alimentos comprovadamente cancerígenos estão os embutidos, as carnes (com exceção dos peixes), gorduras, frituras, ultraprocessados, açúcar refinado, adoçantes e vários aditivos químicos. Todos eles avidamente consumidos por nossa população.

Vários e repetidos estudos atestam que uma alimentação rica em frutas, verduras, cereais integrais, fibras e leguminosas exerce uma importante ação preventiva e curativa das doenças, dentre elas, as metabólicas, cardiovasculares, imunológicas, reumatológicas, oncológicas, psiquiátricas e neurodegenerativas. Entre as últimas, não existem mais dúvidas, por exemplo, que alimentos como gorduras trans, açúcares refinados, gorduras saturadas, entre outros, geram alterações em estruturas do sistema límbico (área do cérebro responsável pelo controle das emoções), comprometendo a performance dos seus neurônios e contribuindo para o surgimento de distúrbios psiquiátricos. Da mesma forma, os estudos também são consistentes em mostrar a contribuição desse tipo de alimentação na gênese de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.

Enfim, há uma notória necessidade de informação por parte da sociedade e precisamos de obras que tragam à luz reflexões que possam levar a um novo momento no que diz respeito ao ensino, à gestão de saúde e à postura de nossos profissionais. Afinal, temos fome de quê? De saúde e felicidade, para o que uma boa alimentação certamente pode contribuir... e muito.

Dirceu de Lavôr Sales é médico, diretor-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde (Ieps) e autor de “Alimentação na geração e cura das doenças”.

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