• Carregando...

O valor da realização e felicidade para muitos nos dias de hoje se traduz no "ter", mas o espírito do Natal vem lembrar que, quem é verdadeiramente mais (ser) preferiu o menos (ter)

Friedrich Nietzsche, dentro da sua perspectiva materialista e cerrada à transcendência, julgava a moral cristã como uma "moral de escravos"; como uma forma covarde de se posicionar diante da vida. Para ele, a grande virtude era a afirmação do poder como super-homem; o espírito de pobreza e a humildade cristãs correspondiam a uma "moral de rebanho". Sob o fascínio dessa soberba, a virtude estaria na força de realização individual, na conquista de êxito e na libertação do gênero humano por meio da sua emancipação total.

A reflexão sobre o Natal nos leva a contrapor essa alucinação à realidade da condição humana bem limitada, pois, sozinha, de nada é capaz. Na moral do super-homem busca-se a excelência na "vontade de poder", e essa se opõe totalmente ao ideal cristão da "vontade de servir".

O cristianismo não é um sistema filosófico; é, sobretudo, a proposta de imitação de uma Pessoa divina que se fez homem. Propõe a identificação com um projeto de vida que aponta para o transcendente, que se inicia e se desenvolve entre as coisas mais comuns do dia a dia.

A figura de um Deus que se faz homem, nasce indefeso e vive como mais um, choca frontalmente com a filosofia do êxito ou a do super-homem. Nada mais contrário ao se propor como modelo ter nascido tão pobre, como num estábulo, e passar um frio intenso. É um choque para a mentalidade reinante atual e, pondo o romantismo de lado, a singela gruta de Belém foi muito menos do que um pobre poderia dar a um filho que nasce.

O valor da realização e felicidade para muitos nos dias de hoje se traduz no "ter", mas o espírito do Natal vem lembrar que, quem é verdadeiramente mais (ser) preferiu o menos (ter) e nós, frequentemente, preferimos o mais (ter), o que resulta em menos (ser). O ensinamento permanente desta data é que nos faz refletir sobre o que verdadeiramente conta para a realização pessoal e coletiva.

Nosso ambiente cultural transita pela valorização excessiva do consumo, porquanto vivemos em uma sociedade do prazer. Pensar em se contentar com passar a vida sóbria, converteu-se em heresia. O consumismo estimula a busca da satisfação muito além das necessidades básicas, insufla os desejos e aguça a imaginação.

O espírito do Natal sensibiliza cada um de nós, especialmente agora, em que o planeta se recente com a crise econômica profunda. Verificamos a vulnerabilidade dos homens diante da reação do meio ambiente aos maus- tratos promovidos por todos.

Tornou-se premente a necessidade de reflexão e ação sobre o emprego comedido dos recursos naturais. Os antigos filósofos gregos pensavam que os princípios constitutivos da natureza – a terra, a água, o ar e o fogo – fossem infinitos. Hoje os denominamos recursos minerais (a água e o ar) e, em vez do fogo, falamos de fontes de energia. Todos estes elementos estão em crise. Verificamos que são limitados e não renováveis, e agrava-se a situação pelo seu uso antiético. O problema crucial está na necessidade de uma ética do cuidado e da responsabilidade com o nosso planeta, pois todos dependemos dele e temos de cuidá-lo para que haja um futuro para as próximas gerações.

Talvez hoje tenhamos de pensar no nascimento de Jesus como uma luz para que restrinjamos, um pouco, o padrão de consumo pessoal e sejamos mais solidários com os que não têm nada e com a geração dos nossos filhos e netos. Na verdade, o exemplo que dermos é o que arrastará, pois vale mais que mil teorias. Um pouco de humildade pode ajudar. Nietzsche pregou a "vontade de poder" do super-homem. O menino-Deus sugere o caminho da humildade e da pobreza; da "vontade de servir". Desejo a todos um Feliz Natal!

Paulo Sertek, professor da FAE, é doutor em Educação pela UFPR e autor dos livros Responsabilidade Social e Competência Interpessoal; Empreendedorismo; e Administração e Planejamento Estratégico. E-mail: paulo-sertek@uol.com.br

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]