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Apetite por aplicações de menor risco ganha espaço| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo

E a história se repete. De tempos em tempos o governo federal é chamado a socorrer estados e municípios que não conseguem pagar as suas contas. Aconteceu novamente em 2020, dessa vez por um problema de força maior, que é a pandemia. O problema é que a grande maioria dos entes federados não aproveita esses repetidos alívios do serviço da dívida para melhorar a sua situação fiscal. Normalmente o benefício transforma-se em mais despesas de custeio e de pessoal. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as repactuações pós-crise de 2008. No período de 2010 a 2016, as despesas com pessoal e custeio cresceram dez pontos porcentuais da Receita Corrente Líquida (RCL) dos estados.

Como aponta o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, o problema da grande maioria dos estados não é o peso da dívida, mas sim o forte crescimento da despesa com pessoal, que em muitos casos já supera 70% da RCL. E adverte: “A única solução para os estados passa, necessariamente, pela reforma da Previdência, maior controle nas contratações, mudanças no plano de carreira dos servidores, maior controle do orçamento dos poderes independentes, redução das vinculações e redução da indexação das despesas”. Diferentemente dessa recomendação, vemos nesse momento muitos estados usando o alívio de caixa proveniente do auxílio federal de 2020 e do aumento anormal da arrecadação, devido à forte reação da economia, em propostas de aumentos salariais de servidores. É a realimentação do antigo círculo vicioso: nos momentos de bonança aumentam-se gastos fixos que não poderão ser reduzidos no próximo período de vacas magras. E, quando as coisas apertarem novamente, a União voltará a ser chamada a socorrer, lembrando que quem pagará a conta no fim será o contribuinte. E a história se repete com grande parte dos municípios.

De tempos em tempos o governo federal é chamado a socorrer estados e municípios que não conseguem pagar as suas contas.

Essa realidade, em que a sociedade trabalha para manter a máquina pública, também acontece na própria União. Em meados de 2019 a folha de pagamentos federal representava em torno de 28% da arrecadação, contra 19% em 2008. Mesmo que o número de servidores tenha diminuído nos últimos dois anos, o valor com benefícios concedidos aos servidores cresceu muito. O gasto com pessoal no serviço público no Brasil equivale a 13,5% do PIB, contra uma média de 9,4% nos países da OCDE. Sem dúvida devemos ter servidores bem remunerados e motivados, até como condição para melhorarmos a qualidade sofrível dos serviços públicos no país, mas os números deixam claro que há distorções que precisam ser corrigidas. A proposta de reforma administrativa que tramita no Congresso é uma oportunidade para ajustes, mas, ao que tudo indica, os cortes feitos na versão inicial deixaram seu alcance limitado. Tem de estar claro que quanto menor o enxugamento nos gastos, maior o sacrifício nos investimentos públicos, importantes para que o país possa crescer.

No ano 2000 o Brasil havia dado um passo importante para disciplinar os gastos públicos, principalmente de estados e municípios, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas faltou implantar um detalhe importante da LRF. O artigo 67 prevê a criação do Conselho de Gestão Fiscal (CGF), o que não aconteceu nesses 21 anos, apesar de um esforço importante do Movimento Brasil Eficiente (MBE), que conseguiu aprovar a sua regulamentação no Senado Federal por unanimidade em 15 de dezembro de 2015, por meio do Projeto de Lei (PLS) 141/2014, do ex-senador Paulo Bauer. Infelizmente, a Câmara dos Deputados distorceu o projeto de tal maneira que o MBE entendeu não valer a pena insistir na sua aprovação. O CGF, que seria composto por representantes do poder público e da sociedade civil, teria a incumbência de acompanhar e avaliar as práticas da gestão fiscal. Seria o xerife das contas públicas, para aumentar a eficiência do gasto, condição primeira para reduzir a carga tributária, uma vez que gastos menores requerem menos impostos.

No extremo, poderíamos propor o seguinte: dividir ao meio a competente estrutura da Secretaria da Receita Federal, redirecionando uma metade para uma Secretaria da Despesa Federal. Com a mesma eficiência com que a outra metade busca aumentar a arrecadação, ela buscaria reduzir os gastos, de modo a termos um equilíbrio em um nível muito mais baixo de receitas e despesas. Seria uma injeção enorme de produtividade na economia, com mais investimentos, empregos de qualidade, renda e bem-estar. O mesmo vale para estados e municípios. Transformaríamos a nossa indústria de crises em uma referência de desenvolvimento econômico e social.

Carlos Rodolfo Schneider, empresário, é um dos idealizadores do Movimento Brasil Eficiente (BEM), membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp e do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal).

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