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O Congresso, visto a partir do Palácio do Planalto.
O Congresso, visto a partir do Palácio do Planalto.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Zé Trintinha fazia parte daquela safra de políticos das antigas. Desde moço, conseguiu se eleger. Primeiro foi vereador, depois deputado estadual, deputado federal três vezes. Ou seja, era velho de guerra na política e conhecia este chão como poucos.

Nunca foi muito chegado no estudo nem na leitura. Mas pense num sujeito bom de conversa, bom de articulação, de conchavo. Era bom de lábia e desde sempre conseguia com extrema habilidade levar todo mundo na conversa. Era “bom de bico”.

Do ponto de vista físico, não era bem aquilo que se poderia chamar de um deus grego da beleza, mas era bem apessoado, magro, moreno, tinha carisma, simpatia, magnetismo pessoal. Fazia com que as pessoas ficassem em volta de si para ouvi-lo. Estabelecia facilmente conexões com todo mundo, inclusive e especialmente com as mulheres.

Aliás, neste quesito, era terrível. Aos 16 anos engravidou uma moça bem simplezinha, pura, humilde, da roça. Foi seu primeiro homem. Não registrou o filho em seu nome e de vez em nunca mandava uma lata de leite, um pacote de fraldas e olhe lá. Tinha perdido as contas do número de filhos que tinha feito Brasil afora. Lembrava apenas dos nomes de algumas das mulheres e de alguns poucos nomes de filhos.

Sua família tinha terras em Tocantins. Plantavam feijão e milho. Nos tempos mais recentes, a soja foi tomando conta das roças, que eram cuidadas com mão de ferro por seu pai, o Zeca Papagaio, que ganhou o apelido desde moço por causa do nariz, realmente assemelhado a um bico de papagaio.

Zé Trintinha não se animava com as coisas do mundo agro, mas, como Zeca Papagaio era importante e poderoso na região, e o filho tinha “bico doce”, logo foi catapultado para a carreira política. E aprendeu a fazer os negocinhos do submundo da política.

Apesar do pouco estudo, ele percebeu que o poder acumulado fez com que todo mundo o bajulasse cada vez mais, que todos quisessem ficar à sua volta, pedir favores, e não foi difícil estabelecer a bilateralidade do jogo que lhe convinha. Afinal, “quem quer rir tem de fazer rir”.

E Zé Trintinha começou a colocar preço em seus “serviços” e intermediações políticas. Todo mundo que está lendo o texto quer saber o porquê do “Trintinha”. E chegou a hora de saber. Ele era supersticioso e tinha uma ligação desde sempre com o número 30. Era seu amuleto, seu talismã. Era caro estabelecer propina de 30%, mas Zé Trintinha não se incomodava e preferia se manter fiel à superstição, mesmo que lhe custasse alguma perda de “negócios” aqui ou ali.

Os bolinhos de dinheiro da propina obrigatoriamente deveriam ser entregues sempre em maços de 30 em 30. Ele morava na Rua Antônio Lima da Costa, número 30. Seu gabinete em Brasília era o 3030. Os números da placa de seu caro eram 3030. Tudo que você puder imaginar terá a estampa sagrada do 30.

Numa noite de quinta-feira ele entrou em atrito com um sujeito, em relação a uma negociata que não deu certo. O homem denunciou anonimamente Ze Trintinha à Polícia Federal. Uma investigação relâmpago gerou a expedição de mandado de busca e apreensão. Nas cuecas de Zé Trintinha não deu outra: 30 mil reais, com direito a muitas cédulas novas do lobo-guará.

Ele não teve como explicar aquela situação constrangedora, que gerou debate nacional e reações até bem humoradas de donos de restaurantes que avisaram aos clientes que aceitavam pagamento em dinheiro, desde que proveniente das carteiras.

Zé Trintinha continua exercendo seu mandato. Ele perguntou a seus advogados sobre o risco de perdê-lo por falta de decoro parlamentar. A resposta veio em meio às gargalhadas: só se for no século trintinha!

Roberto Livianu é doutor em Direito, procurador de Justiça em São Paulo, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e cronista, autor de “50 Tons da Vida – 2018” e “50 Tons da Vida – volume 2 – 2020”.

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